quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Nota do PSOL-DF sobre os rolezinhos

Os rolezinhos nasceram como expressão de uma vontade de consumir, se divertir e ostentar. Nada que, em princípio, ameaçasse o capitalismo.

Começaram como encontros de jovens marcados pela internet, nos locais onde a vida no Brasil, por várias razões, passou a dizer que jovens devem se encontrar: nos shoppings.

Cotidianamente nos é vendida a lógica da centralidade do consumo, cujo principal templo é o shopping center –hoje o símbolo máximo da cidade segregada e da cidade mercadoria. E a adesão da juventude a essa lógica é consequência de uma intensa atividade de propaganda e marketing promovida pelas empresas e corporações, por meio da mídia falada, escrita e televisiva.

Dentro dos marcos de supervalorização do poder de compra, o som que impulsionou os rolezinhos foi o funk ostentação. Diferente do rap, conhecido pelo discurso forte e crítico que retrata as dificuldades das periferias, essa vertente do funk vem demonstrar que parte desses (as) jovens aderiu fortemente aos hábitos e valores da classe dominante: a vontade de se afirmar superior aos (às) demais por meio de roupas de grife, adereços, perfumes, carros, casas, etc.

Contudo, esses (as) jovens de periferia, ao se dirigirem ao shopping e darem uma prova substancial de adesão ao capitalismo e aos seus símbolos e rituais, foram confrontados (as) com todo o caráter repressor da classe dominante. Essa contradição mostra que a elite brasileira quer que os (as) pobres (as) sonhem ter os mesmos hábitos de consumo dela... Mas apenas sonhem. Essa elite se mostrou tão racista e discriminatória que transformou potenciais defensores (as) do sistema em vítimas da truculência.

Em resposta, o funk ostentação foi transformado em “funk contestação” e os rolezinhos se espalharam por todo o país. Aqui no Distrito Federal o movimento ganhou esse contorno de contestação e houve rolezinho no Gama e no Lago Norte – este último cancelado em virtude do fechamento do shopping dia 25 de janeiro.

Um fenômeno que toma essa proporção, no “Brasil de Lula, Dilma e Agnelo”, é uma clara demonstração de que o consumo chegou – muitas vezes sustentado pelo trabalho precarizado –, mas a cidadania de direitos ainda está distante. Esse consumo que promete a todos (as) igualar ironicamente vê cor, raça e local de origem. Não há democracia de consumo quando pessoas são barradas discricionariamente na entrada dos shoppings por desejarem ocupar um espaço simbólico que a todo momento lhes encanta e é apresentado como “índice de cidadania”.

Por sua vez, representantes dos shoppings têm se mostrado cada vez mais hostis aos (às) jovens da periferia. Além das primeiras respostas violentas a essa ocupação, promovidas por meio da segurança privada e da polícia, os empresários buscaram liminares na justiça para impedir a entrada da juventude “suspeita”. Essa judicialização demonstra uma tentativa descarada de reforçar o apartheid social com ajuda do próprio Estado. Mais que isso, dirigentes, lojistas e comerciantes estão propondo ao governo a criação de rolezódromos, ou seja, locais públicos aonde jovens da periferia possam ir sem ser reprimidos (as) e sem "incomodar".

É importante destacar que o PSOL defende a criação de espaços públicos cuja centralidade seja a vivência comunitária, os encontros, a criatividade, a produção cultural. No entanto, entendemos que a proposta cínica de rolezódromo é uma estratégia para segregar os (as) pobres, separados (as) dos brancos ricos, que têm acesso liberado ao shopping. Entendemos que essa negação, em especial a violenta, produzirá mais frustração e indignação, sobretudo na juventude.

Dessa forma, o rolezinho está batendo nas portas dos gabinetes de prefeitos, governadores e da presidenta. Tornaram-se uma questão política relevante, entraram na agenda política nacional e os governos precisam dar respostas. São um assunto discutido na internet, nos bares, nas ruas, nas casas, nos shoppings. Muitos governantes e empresários já se pronunciaram sobre o que o Estado deve fazer. Titubeantes, muitos deles, sobretudo os ocupantes de cargos públicos, tentam se esquivar e omitem de que lado estão, se dos (as) jovens da periferia ou dos donos das lojas de grife.

Mas o que está claro é que a preocupação assustada da polícia, da imprensa, do Judiciário e dos governos é mais um indicativo de que algo de subterrâneo está acontecendo neste país, e a reação conservadora aos rolezinhos é apenas mais uma parte disso.

Quando os empresários judicializam a questão, toda sustentação legal para repressão e impedimento ao acesso está amparada no argumento de que o shopping seria um espaço privado, apesar da circulação pública de pessoas.

A cada ano centenas de shoppings são erguidos em todo o país. Só no DF e entorno são aproximadamente 20. Sob o pretexto de movimentar a economia, esses centros são responsáveis por aumento no tráfego de veículos e pela falência dos pequenos comerciantes ao seu redor.

Os donos de lojas afirmam que aquele é um centro comercial privado e que eles podem permitir ou restringir o acesso de quem quiserem, quando bem entenderem. Será mesmo? É preciso lembrar que os shoppings brasileiros são construídos com grande apoio do poder público, por meio de ajudas como: isenções fiscais, subsídios ou até mesmo doações de terrenos; facilitação do crédito para construção, abatimento, subvenções, pavimentação das vias de acesso, etc. Não resta dúvida, portanto, de que esses centros são espaços públicos e como tal devem também ser ocupados.

Por fim, apoiamos e apoiaremos o "Rolezaum" promovido pelo MTST. Respeitamos e compreendemos o protagonismo da juventude, sua espontaneidade e a importância de sua auto-organização. Mas defendemos o papel da esquerda organizada na ampliação do conteúdo contestatório dessas ações.

À luz de toda essa discussão, o PSOL-DF defende uma agenda de políticas que:

Amplie a oferta de serviços públicos relacionados à arte e à cultura;

Crie mais espaços públicos de convivência e encontros, de modo a propiciar o desenvolvimento de relações sociais, culturais, sexuais e afetivas, de maneira democrática e inclusiva;

Fortaleça campanhas de conscientização para a superação do racismo, do machismo, da homofobia e do capitalismo

Estatize os espaços públicos do shopping, tais como corredores, estacionamento, banheiros, praça de alimentação e demais áreas de uso comum, pois entende essa ação como fundamental para que o poder público tenha condições de gerir o espaço de maneira mais democrática e inclusiva, evitando a discriminação e, consequentemente, reverter a crescente privatização dos espaços públicos de convivência.

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