sábado, 31 de dezembro de 2016

A guerra santa e a paz divina

             Com o aprofundamento da crise, é crescente o número de pessoas que vêem na guerra uma alternativa para se combater os problemas sociais, econômicos e políticos que nos assolam. Recentemente, li uma reportagem que fazia uma analogia entre o período atual e a década de 1930, que foi marcada pela crise econômica e a ascensão do nazismo na Alemanha e outras partes. Estava preparado o terreno para a irrupção da segunda guerra mundial. A matéria apresentava uma série de historiadores que consideravam válida a comparação entre os dois períodos, outros que não.

            Isso nos faz refletir: o que leva uma pessoa a apoiar deliberadamente a guerra destrutiva como forma para se atingir um objetivo? São vários fatores: a ideia de que é impossível conviver com o adversário e que ele precisa ser destruído; o medo de que o adversário venha te destruir antes que você o destrua (a ideia da guerra preventiva), a ideia de que Deus quer que você destrua o seu adversário (jihad ou guerra santa); a ideia de que os custos da guerra são maiores do que os de uma paz hipócrita.
Este último fator é particularmente importante porque parece ser o argumento mais sedutor. Pensa-se que a situação já está tão ruim e angustiante que qualquer coisa é melhor do que isso. Pensa-se que já existe, de fato, uma guerra não declarada e que seria melhor se essa guerra fosse declarada, bastando-se reconhecer algo que já existe. Pensa-se que não temos nada a perder. Ou então a tese do Tiririca: “pior do que tá não fica.”
Ora, sabemos que as coisas podem, sim, piorar. Sabemos que esse clima político já se deu em outros períodos da história da humanidade e que nos conduziu a terríveis guerras, que deixaram um enorme rastro de destruição e tristeza por onde passaram. O mais interessante é que, após um período de guerra, as pessoas passam a defender o retorno da paz, mesmo que seja uma paz relativa, porque os custos da guerra parecem ter se tornado maiores que os custos da paz relativa. Ou seja, as pessoas entram em guerra por terem esquecido os seus custos e retornam à paz relativa em uma situação, via de regra, pior do que saíram: com o país destruído e instituições em frangalhos.
É difícil pedir calma quando as pessoas querem “tudo ao mesmo tempo agora!”.
Mas é o que vamos fazer.
Precisamos reconhecer os avanços que já ocorreram. É preciso valorizar o pouco de democracia que ainda nos resta. É preciso defender e preservar os nossos direitos políticos.
Com o impeachment de Dilma, o clima político piorou muito. Houve uma forte tensão em Brasília e em todo o Brasil no ano de 2016. As pessoas, pressionadas e manipuladas, acabaram caindo na extrema polarização política, ora tomando partido nas discussões, ora internalizando uma enorme raiva, alimentando uma falsa indiferença enquanto pensam: “tá tudo uma bosta! Tem que quebrar tudo mesmo!” Ou seja, a antessala da guerra civil.
Contudo, é preciso lembrar que temos uma democracia jovem e ainda muito frágil. A solução para os problemas da democracia é mais democracia. Não devemos jogar a criança junto com a água do banho. É preciso valorizar o que já conquistamos para podermos exigir mais.
É verdade que Temer traiu Dilma. Mas é verdade também que Dilma escolheu mal o seu vice. É público e notório que o PMDB não é um aliado confiável. Combater o governo Temer é tão importante quanto assumir a parcela de responsabilidade do PT.
A democracia é um método de organizar as guerras e conflitos políticos existentes na sociedade, evitando a irrupção de uma guerra civil nos moldes tradicionais. Sabemos que a democracia atual é muito deficiente, que reforça as extremas desigualdades existentes na sociedade brasileira. Por outro lado, só o fato de termos essa democracia já é muito significativo. É preciso lembrar que conquistamos o voto universal, que mulheres podem votar, que pobres podem votar, que analfabetos podem votar. E que todas essas conquistas foram conseguidas a duras penas.
Estamos assistindo a uma escalada na violência, em vários âmbitos. No dia 29 de novembro de 2016, houve uma enorme manifestação política na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Havia dezenas de milhares de pessoas vindas de todo o Brasil, para protestar contra a PEC do Teto de Investimentos e Gastos, que seria votada no Plenário do Senado naquele dia. Alguns manifestantes se exaltaram, agindo de maneira agressiva. A repressão da polícia foi enorme e desproporcional. Jogaram bombas de gás lacrimogênio em toda a Esplanada, transformando-a em uma praça de guerra. Uma coisa horrível, da qual eu fui testemunha ocular.
A violência tem essa característica: você fala alto, a outra pessoa responde mais alto, então você grita, o outro berra, você xinga, o outro dá um tapa, você dá um soco, o outro dá um pontapé, você dá um tiro, leva outro, todos morrem. Ocorre uma escalada da violência, forma-se um círculo vicioso, um espiral ascendente na qual o auge é a guerra, a morte e a destruição. Como parar essa escalada? Se alguém falar alto com você, fale mais baixo. Se alguém gritar, exercite o silêncio, com a certeza de que, com o seu silêncio, você disse algo muito mais importante do que todos os gritos do seu adversário.
Quando tiver oportunidade, fale com sabedoria, com razão, com respeito pelo outro. Valorizemos os nossos direitos políticos, construindo projetos e propostas políticas e apresentando-as de maneira fraterna para a sociedade.

“A escuridão não pode expulsar a escuridão, apenas a luz pode fazer isso. O ódio não pode expulsar o ódio, só o amor pode fazer isso.” Martin Luther King