quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Marina Silva: uma análise pela esquerda

                 A candidata do PSB à presidência, Marina Silva, tem ganhado destaque na mídia e crescido nas pesquisas eleitorais. Apesar do pouco tempo de televisão, restam poucas dúvidas de que ela possui chances reais de vitória. Este é um breve artigo com apontamentos de tendências sobre o caráter político-ideológico de um eventual governo de Marina Silva. Primeiramente, é apresentada a localização da candidata no espectro ideológico e, posteriormente, algumas das potencialidades e riscos de um governo Marina, tendo em vista o conflito de classe no sistema capitalista.

                Marina é uma típica candidata centrista. Isso significa que ela busca a conciliação de classes, ou seja, quer agradar, ao mesmo tempo, a patrões e trabalhadores, ricos e pobres. Quando isso ocorre, o sistema de classes tende a ficar intacto, pois a classe dominante se favorece com essa suposta neutralidade, mantendo-se no controle das relações de trabalho. A candidata em questão não pretende interferir na lei que sustenta o sistema capitalista, que é a propriedade privada dos meios de produção. Ao contrário, acredita que há “capitalistas de mentalidade progressista” (termo usado por ela), entre eles Guilherme Leal, dono da empresa Natura. Ela não percebe, por exemplo, que a riqueza de Leal foi forjada a partir da exploração de milhares de trabalhadores terceirizados, os famosos “consultores da Natura”, que vendem os produtos da empresa e não gozam de quase nenhum direito trabalhista ou proteção social. Parece não se preocupar com a precarização do trabalho produzida por esse modelo pernicioso de negócio.

                Como definir se um candidato é de direita, esquerda ou de centro? Difícil tarefa. Utilizamos aqui a noção de que o governo de direita é favorável à ampliação da propriedade privada dos meios de produção. Neste sentido, defende a privatização das empresas estatais e redução da atuação do Estado na economia. Por trás dessa proposta está a ideia de que o Estado é incompetente, ineficiente e corrupto, invariavelmente; enquanto o empresariado compõe uma casta de pessoas competentes, eficientes, honestas e isentas. O governo de esquerda é aquele que combate a propriedade privada dos meios de produção, seja por meio da estatização das empresas privadas, (sobretudo em setores estratégicos, como energia, infraestrutura, transportes, telecomunicações, abastecimento de água, etc.), seja pela ampliação do provimento de serviços públicos estatais, nas áreas de saúde, educação, cultura, assistência social, entre outros, seja por meio do incentivo ao cooperativismo nos setores de maior concorrência, como alimentação, vestuário, hotelaria, comércio, etc. A ideia é a de que a sociedade pode se organizar sem a exploração de classe, ou seja, sem que uma pessoa lucre com o trabalho de outra.

O governo centrista é aquele que não possui uma posição ideológica estática no que se refere à ampliação ou redução da propriedade privada dos meios de produção, é como um barco que é levado para lá e para cá de acordo com o momento político e a correlação de forças entre trabalhadores e a classe dominante. Este parece ser o caso de Marina Silva. Se, por um lado, o financiamento privado da campanha aponta para um alinhamento com o patronato, o levante de junho, por outro lado, aponta para o reconhecimento do transporte público como um direito de todos, o que favorece a classe trabalhadora. Neste sentido, o governo buscará uma conciliação de classes para se equilibrar no poder.

             Dentro desta mesma lógica, vale fazer uns parênteses para situar o posicionamento ideológico dos outros candidatos à presidência, da esquerda para direita. Luciana Genro (PSOL), Zé Maria (PSTU), Mário Iasi (PCB) e Rui Costa Pimenta (PCO) são candidatos de esquerda. Dilma Roussef (PT), Marina Silva (PSB), José Maria Eyamel (PSDC) e Eduardo Jorge (PV) são candidatos centristas. Aécio Neves (PSDB), Levi Fidelix (PRTB) e Pastor Everaldo (PSC)  são candidatos de direita. Como todo processo de classificação, este não é isento de críticas e questionamentos. O projeto político de cada candidato é repleto de nuances e imbricações.

Um eventual governo de Marina Silva apresenta algumas potencialidades, sobretudo do ponto de vista ambiental. O principal motivo da saída de Marina do PT foi a divergência na condução da política ambiental e o atrelamento do governo Lula em relação aos interesses do agronegócio. Desse modo, é esperado que Marina promova alguns avanços na pauta ambiental, como por exemplo o combate ao uso indiscriminado de agrotóxicos e ao desmatamento das florestas e imposição de condicionalidades ao cultivo de plantas transgênicas. Ela deve fortalecer o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), entre outras áreas relacionadas à preservação do meio ambiente. Além disso, deve haver uma análise mais criteriosa dos projetos de grande impacto ambiental, como usinas hidrelétricas, rodovias, etc. A depender da capacidade de mobilização popular, pode haver avanço na demarcação das reservas indígenas, quilombolas e na reforma agrária.

Um governo de Marina Silva também apresentaria alguns riscos e debilidades. Um deles é o conservadorismo do ponto de vista dos costumes. As posições políticas de Marina são influenciadas pela sua visão religiosa. Ela é evangelista da Assembleia de Deus e recebeu o apoio dos fiéis para coleta de assinaturas quando da criação da Rede Sustentabilidade. Há risco de retrocesso no debate sobre legalização da maconha, regulamentação do aborto, direitos da população LGBT, entre outros. Em sua gestão como ministra do Meio Ambiente, ela recebeu críticas por priorizar a relação com ONG’s em detrimento da valorização dos servidores públicos. Além disso, o candidato a vice-presidente em sua chapa, Beto Albuquerque, é ligado ao agronegócio. Seu partido, PSB, apresenta em seus quadros diversos políticos conservadores. Há risco de uma degeneração do governo à direita.

Se Marina ganhar, tanto PT quanto PSDB disputarão o posto de aliado prioritário. Ela invoca o legado político de Lula e de Fernando Henrique. Isso é um ponto negativo, pois a síntese entre um governo de direita e outro de centro pode ser um governo de centro-direita. O tripé da política econômica do PSDB e do PT, que favorece os banqueiros, deve se manter inalterado, quais sejam: metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante. Pode haver um ajuste fiscal com arrocho salarial nos primeiros anos do governo. Quanto ao parlamento, procurará conciliar interesses e agradar a gregos e troianos para ter maioria. Não está descartada, no entanto, a possibilidade de uma redução do número de cargos comissionados ocupados em função de negociatas partidárias. Quanto à reforma política, pode haver alguma alteração, mesmo que pontual. A candidata prometeu governar apenas quatro anos e acabar com a reeleição. De modo geral, trata-se de um governo centrista, com possibilidades de avanços em algumas áreas, como o combate ao desmatamento, e retrocesso em outras, como o combate à homofobia, sem alteração substancial no sistema de classes no interior do capitalismo.


Tony Gigliotti, servidor público e militante do PSOL