sábado, 31 de maio de 2014

O que é uma morte tranquila?


“O envelhecimento destrói a juventude,
a doença destrói a saúde,
a degeneração da vida destrói excelentes atributos
e a morte destrói a vida.
Mesmo que você seja um excelente corredor, não poderá correr da morte.
A chegada da morte não poderá ser impedida com suas riquezas,
nem com passes de mágica,
nem recitando mantras
 e nem mesmo com remédios.
Portanto, é sensato preparar-se para a morte.”
Dalai Lama
               
O envelhecimento e a morte são tabus na sociedade moderna. Há pessoas que se ofendem com uma simples pergunta de “quantos anos você tem”. Há pessoas que se desesperam só em pensar que vão morrer. Não deveria ser assim. O envelhecimento e a morte são processos naturais, orgânicos. Evitar falar sobre eles não significa que você poderá escapar desse fenômeno. E se não podemos evitar a morte, é prudente preparar-se para ela, como diria Dalai Lama.

                Nosso corpo físico é como uma flor, que desabrocha, chega ao seu nível de pleno esplendor para logo depois começar a murchar e depois morrer. Essa é uma verdade inescapável. Mas há flores que são arrancadas mais cedo, quando ainda estão jovens. Certamente quem as arranca deseja presentear alguém, e inspirá-lo com a beleza que vem das flores mais lindas. Quem vê a flor sendo arrancada, talvez não entenda as intenções maiores que estão por trás daquele ato, mas certamente elas existem.

                Então, se o envelhecimento e a morte são tão certos quanto dois mais dois são quatro, devemos nos preparar. Há pessoas que até mesmo idealizam o que seria uma morte tranqüila: morrer dormindo, sem dor, quando já se está com 85 anos. Isso é uma morte tranqüila, dizem. Acredito que isso seja um engano. Pode ser que uma pessoa teve todo tempo do mundo para se preparar para morte, mas não o fez. O que determina uma morte tranqüila não é a idade ou a ausência de dor. O que faz uma morte ser tranqüila é a paz interior daquele que parte. É entender que esta vida é apenas uma etapa, inserida em uma longa jornada espiritual.

                E como adquirir esta paz interior?

                O único caminho é o desapego das coisas materiais e dos entes queridos. É reconhecer e valorizar o auxílio que os amigos e parentes lhe dão, sem se apaixonar-se por eles, sem se tornar emocionalmente dependente deles.

                É não ter nenhuma dívida para cobrar e nem para pagar. Não basta perdoar ao outro. Não basta pedir o perdão de Deus. É preciso perdoar a si mesmo. Para isso, é preciso reconhecer os seus erros e suas imperfeições. Dalai Lama dizia: “É melhor encontrar um defeito em você do que dezenas nos outros. Porque os seus você pode mudar.” Para encontrar um defeito em você, é necessário fazer uma profunda e contínua reflexão sobre os seus atos e palavras, sobre como eles afetam os outros, como eles impactam nos direitos, na dignidade e na auto-estima do outro.

                Uma morte tranqüila é aquela em que não se carregam dívidas. E a dívida é sempre uma relação bilateral. Não é só o devedor que se prejudica com a dívida, mas também o credor. Há pessoas tão convencidas de que o outro lhe deve alguma coisa que o fica perseguindo e obsediando não somente nesta vida, mas também após a desencarnação. Da mesma maneira, há pessoas que levam para outras vidas as culpas que desenvolveram em encarnações anteriores.

                Outro elemento importante é confiar nas leis de Deus. É saber que nada acontece na nossa vida por um acaso. Não que Deus tenha escrito a história de cada um e que somos meras marionetes das intenções divinas. Não! Não é Deus que atribui indiscriminadamente intenções nas coisas que acontecem em nossas vidas. Somos nós que atribuímos essas intencionalidades. Por exemplo, quando você está andando na rua, pode tropeçar em uma pedra e se desequilibrar. Aí uma série de coisas podem ocorrer a partir deste fato. Você pode se irritar com o governo, que não cuida da calçada. Pode se irritar com a pessoa que deixou a pedra ali. Pode se irritar com o agente público que teria a missão de cuidar da calçada e não cuidou. Você pode se irritar com Deus, que supostamente não deveria deixar que isso acontecesse. Você pode se irritar consigo mesmo, pensando que o acaso te atrapalha e o azar sempre te persegue. Você pode ainda não se irritar, tirar tranquilamente a pedra do caminho para evitar que outras pessoas se desequilibram e caiam. Você pode ainda agradecer a Deus por evitar que você caísse, apesar de ter se desequilibrado. Pode ainda agradecer a Deus por te dar a chance de realizar a boa ação de tirar a pedra do caminho.

                Repare que, em todas estas situações, não foi Deus quem deu um sentido para aquela eventualidade, foi você. E se você pode extrair o lado bom das coisas ruins, então isso é o mais prudente a fazer.

                Deus é o criador das leis naturais e morais, que são auto-aplicáveis. Não é Deus que faz um objeto cair no chão quando ele é solto no ar. Mas é Deus quem criou a lei da gravitação universal, por ser Deus a causa primeira de todas as coisas. Não é Deus que faz com que as suas boas ações retornem pra você, nem é Deus que te pune pelas suas más ações. Mas é Deus o criador da lei do Karma, que se aplica indistintamente a todos os espíritos, encarnados e desencarnados. A lei do Karma pode ser assim resumida: aquilo que você faz ou pensa de ruim, retorna para você; aquilo que você faz ou pensa de bom retorna para você.

                Isso é mais fácil de entender quando analisamos as nossas emoções e sentimentos puros: a raiva, o medo, a alegria, o amor. A raiva só é ruim para quem tem. O medo afeta quem o está sentindo. A alegria é boa para quem sente. O amor sincero ao outro enche os nossos corações de alegria. Não somente os sentimentos, emoções e pensamentos são reflexivos, mas também os nossos atos e palavras. Os atos e palavras nada mais são que espécies de irradiações dos nossos pensamentos. Uma pessoa muda não pode falar com palavras, mas fala com gestos, com o olhar, com o semblante. Uma pessoa tetraplérgica não pode realizar uma série de atos, mas pode realizar outros, com os movimentos da face, como falar. Os espíritos desencarnados, sem o auxílio de médiuns, não podem falar e fazer, mas podem irradiar energias, transmitir pensamentos. Estamos o tempo todo suscetíveis à influência destes pensamentos e irradiações.

Pessoas encarnadas também irradiam energias e vibrações. Isso pode se dar de maneira mais sutil ou mais ostensiva. A palavra é mais ostensiva que o olhar. E os atos são mais ostensivos que as palavras.

Na figura, é apresentada esquematicamente a gradação das irradiações espirituais, da mais sutil para a mais ostensiva. Isso não significa, necessariamente, que a irradiação de maior impacto físico serão necessariamente as mais construtivas ou mais destrutivas. Quantas vezes já ouvimos palavras que soaram como verdadeiras cacetadas? Ou um olhar raivoso, que prenuncia uma grande guerra? Ou um olhar capaz de transmitir toneladas de amor, paz e compreensão? O ato mais ostensivo é aquele que gera mais efeitos físicos, mas não significa que ela gera mais efeitos emocionais ou espirituais.
                
Em qualquer caso, a lei do Karma opera. As emoções e sentimentos realizam movimento pendular. O bem que se faz ao outro vai e volta. O mal que se faz ao outro vai e volta. Um momento de prazer intenso prenuncia o momento seguinte, de abstinência, de ausência de prazer, de dor. Tudo tende ao equilíbrio.

Deus não aplica a lei do karma de maneira personalista, parcial, discriminatória. Ao contrário, ele criou a lei do Karma da mesma maneira que criou a lei da gravitação universal: auto-aplicável, onipresente, universal. Assim, para que obtenha paz interior, não basta pedir a Deus, é necessário conhecer as leis morais e aplicá-las na sua vida. Para isso, é necessário disciplinar a mente, de modo que aprendamos a emitir somente as boas irradiações. Evidentemente, não é tarefa fácil. Vivemos em um mundo habitado por muitos espíritos com visão mercantil, capitalista, que acreditam que tudo está baseado na troca. Troca de sentimentos, de sensações, de favores, de dinheiro. Acreditam, dessa forma, que só devem fazer o bem para quem lhes faz o bem, e que devem ignorar aquelas que não lhes fazem o bem e que devem amaldiçoar aquelas que lhe fazem o mal. Das duas uma, ou ignoram a lei do Karma ou não a aplicam em suas vidas. Jesus discorreu brilhantemente sobre esta questão: “Aprendestes que foi dito: ‘Amareis o vosso próximo e odiareis os vossos inimigos.’ Eu, porém, vos digo: ‘Amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem e caluniam, a fim de serdes filhos do vosso Pai que está nos céus e que faz se levante o Sol para os bons e para os maus e que chova sobre os justos e os injustos. - Porque, se só amardes os que vos amam, qual será a vossa recompensa? Não procedem assim também os publicanos? Se apenas os vossos irmãos saudardes, que é o que com isso fazeis mais do que os outros? Não fazem outro tanto os pagãos?’” (S. MATEUS, cap. V, vv. 43 a 47.)


“Nada mais perigoso que um bom conselho acompanhado de um mal exemplo.” Se entendemos a lei do karma, precisamos fazer todo o possível para aplicá-lo em nossa vida. E isso necessita, muitas vezes, de uma mudança de vida.

Uma morte tranqüila passa necessariamente por uma vida tranqüila. A morte do corpo físico é, na verdade, a desencarnação. O espírito é despojado do corpo e continua a sua longa jornada. Quando você acorda, pense se existe algo que você não poderia deixar de fazer antes de desencarnar. Pense se aquilo é realmente necessário, pense se não se trata de coisas que só vão acionar o seu ego, sua vaidade e seus prazeres carnais. Essas coisas são supérfluas.

“Há apenas dois caminhos para o ego: ou ele está satisfeito, ou ele é insaciável.”

Se você tem dívidas a pagar, pense porque ainda não as quitou, ou pense se você não pode se perdoar. A dívida oriunda do financiamento de um imóvel, por exemplo, pode ser paga por outras pessoas após sua desencarnação. Ou se pode devolver o imóvel. Não se preocupe com ela. Procure estar em dia com as dívidas que você contrai e que você considera justas. Se você está em dia com o financiamento do seu imóvel, então você não tem nenhuma conta a pagar, pelo menos até aquele momento.

Por outro lado, se uma pessoa tem uma dívida com você, talvez seja o momento de perdoar, ou pelo menos o momento de se tranqüilizar diante da possibilidade de um calote. Se você emprestou, é porque tinha o que emprestar. Você não emprestaria algo que você mesmo está usando. Se emprestou, é porque aquilo era, de alguma maneira, supérfluo para você, pelo menos naquele momento. Perdoe o outro pela possibilidade de dar um calote. Perdoe-se a si mesmo por se arriscar a levar um calote, no momento em que emprestou. Logo perceberá que a própria dívida pode ser perdoada.

Recapitulando, para ter uma morte tranqüila é necessário ter uma vida tranqüila. Para ter uma vida tranqüila, é preciso conhecer a lei do karma, aplicá-la na sua vida, perdoar a tudo, a todos e principalmente a si mesmo, desapegar-se de todos os bens materiais que você tem e também daqueles que almeja possuir e desapegar-se emocionalmente de seus parentes e amigos, pois eles vieram para complementar a sua felicidade e não são a causa fundamental de sua vida. O propósito da vida é conectar-se com Deus, a partir de sua paz interior, da disciplina da mente, do contato franco e sincero com o divino, que transparece no contato franco e sincero com o outro.


Martinho Lutero: “Você não pode impedir que um pássaro pouse na sua cabeça, mas pode impedir que ele faça um ninho.”