Nesta semana, entre os dias 10 e 14 de fevereiro de 2014, em
Brasília, está ocorrendo um evento histórico: o VI Congresso Nacional do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Há mais de 15 mil pessoas
acampadas nos arredores do Ginásio Nilson Nelson.
Ontem a
noite, 10 de fevereiro, fui até o local para conhecer e interagir. Foi uma experiência
fantástica. Conversei com pessoas de diversas matizes ideológicas: anarquistas,
socialistas, comunistas, cooperativas, etc.
Logo
que cheguei, dei de cara com um banquinha de livros montada pela Federação
Anarquista do Rio de Janeiro. Provocado por mim, um garoto de 17 anos discorria
com muita propriedade sobre o movimento anarquista e sobre as experiências
históricas de desenvolvimento do anarquismo: na Manchúria, na Ucrânia, no
México, com o exército zapatista, entre outros. Segundo ele, eram eventos que
mostravam que o anarquismo não é uma utopia, mais um conjunto de idéias que parte
da experiência prática das pessoas.
Depois
comprei uma camiseta do MST, no banquinha ao lado, que é a roupa que ousei
vestir no trabalho hoje, como demonstração de apoio ao movimento.
Continuei
circulando e parei em uma banquinha de produtos orgânicos vendidos por uma
cooperativa de produtores. O vendedor me explicou que ele é um dos cooperados.
No entanto, na cooperativa, também havia pessoas contratadas sob regime da CLT,
ou seja, sob as leis trabalhistas burguesas. Mas essas pessoas também poderiam
se tornar cooperados, caso se interessem e atendam a determinadas condições.
Explicou ainda que os resultados da produção são distribuídos igualitariamente
entre os cooperados e que os dirigentes, que trabalham no escritório, têm o
mesmo salário que os trabalhadores do campo. Os dirigentes são eleitos pelos
próprios cooperados, por mandato de 2 anos, sendo permitida apenas uma
reeleição.
Havia
trabalhadores produzindo farinha de mandioca. “Ocupar, resistir e produzir!” Esse
é o lema. Registrei em vídeo.
Depois
percebi que estava com fome e fui procurar algo para comer. Encontrei uma
espécie de setor de alimentação, com várias cozinhas, pertencentes a vários
assentamentos de trabalhadores rurais. Abordei uma mulher que trabalhava em uma
das cozinhas e perguntei quanto custava a refeição. Tive uma excelente
surpresa. Ela disse que era de graça.
Mas não
havia pratos talheres, cada um trazia o seu. Um rapaz, que ouvia toda a
conversa, ofereceu o seu prato e talher para eu comer. Aceitei de bom grado.
Havia panelas enormes com arroz, feijão, batatas e repolho. Servi-me. Estava
ótimo!
Havia
um senhor sentado na mesma mesa. Ele contou um pouco da sua história, de como
entrou para o MST. Uma vida sofrida, como a de tantos brasileiros e brasileiras.
Ele não queria mais ser explorado pelo patrão e nem pelo fazendeiro. Então se juntou
ao MST para lutar e conseguir um pedaço de terra para plantar e produzir. Participou
da ocupação de uma fazenda, a alguns anos atrás. O suposto dono da fazenda
reuniu alguns capangas e tentou desocupar a fazenda. Eles resistiram
bravamente. Certo dia, vieram algumas caminhotes com capangas armados, para expulsar
os acampados. Mas eles já estava preparados para o combate. Também possuíam armas,
atiraram para assustar os capangas, que resolveram fugir. Uma carnificina foi
evitada. E o acampamento se consolidou. Ele finalmente conseguiu o seu
pedacinho de terra, que possui até hoje, onde planta e colhe os frutos de seu
próprio trabalho.
Depois,
comecei a conversar com a mulher que me ofereceu comida: Aucídia Fernandes
Nunes. Uma pessoa radiante, com brilho nos olhos. Ela resolveu não ser apenas
uma expectadora. Decidiu entrar na história e transformá-la. Não sozinha. Mas
junto com todos os outros lutadores e lutadoras do MST, reunidos em um
acampamento tão grande e cheio de histórias, um congresso do tamanho dos seus
sonhos. Ela é cozinheira de uma escola pública, localizada em um acampamento em
Rio Bonito do Iguaçu. É funcionária do Estado
do Paraná, com um contrato temporário e precarizado de trabalho. Ela também quer
um pedaço de terra. Mostrou uma camiseta do MST, que diz muito sobre o porque ela
está ali: “Não somos apenas expectadores, mas atores da história.”
Havia
várias apresentações de cultura camponesa. Uma delas é o do grupo Unidos na Lona
Preta, que foi registrada em vídeo.
Não
acredite no que a Globo fala sobre o MST. Não acredite no que a Veja, o
Estadão, a Folha e o restante da mídia burguesa capitalista brasileira falam
sobre os movimentos populares. Quando era adolescente, só tinha contato com
essa mídia. Passei por uma verdadeira lavagem cerebral, que só fui superada
quando entrei na faculdade e comecei a ter contato com outras maneiras de ver o
mundo. Eles fazem parte de uma elite gananciosa e egoísta, que quer manter os
seus privilégios e o seu domínio sobre os corações e mentes das pessoas. Se
quer conhecer o MST, converse com as pessoas, vá até um assentamento, o
congresso do movimento, visite o site do MST na internet.
Isso me
fez lembrar um trecho do poema Louvor ao estudo, de Bertold Brecht:
“Não temas perguntar,
companheiro!
Não te deixes
convencer!
Compreende tudo por
ti mesmo.
O que não sabes por
ti,
não o sabes.
Confere a conta.
tens de pagá-la”
O MST,
sendo um movimento social, grande e complexo, também está imerso em
contradições. Sabe-se que os dirigentes possuem algumas ligações com o PT, que
é o partido da presidenta da república, que, por sua vez, tem atrasado o
processo de reforma agrária. No entanto, todos os partidos e movimentos, em
maior ou menor grau, possuem contradições. Somos socialistas, mas precisamos
sobreviver em um mundo que ainda é capitalista. O sistema capitalista nos coloca nessas
contradições, que só podem ser superadas por meio da transição para um outro
modelo de produção e consumo, mais igualitário, fraterno e consciente. Acredito
que o MST está a serviço da superação do sistema capitalista e do latifúndio,
da monocultura, do agrotóxico. Mais do que isso, o MST contribui
substantivamente para o combate aos latifundiários no Brasil, que é um dos
poucos países que nunca promoveu uma reforma agrária ampla e verdadeira.
Hoje é
apenas o segundo dia de congresso, dá tempo de ir ainda. Fica a dica para quem
mora em Brasília.