terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Congresso do MST – um relato pessoal e passional

                 Nesta semana, entre os dias 10 e 14 de fevereiro de 2014, em Brasília, está ocorrendo um evento histórico: o VI Congresso Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Há mais de 15 mil pessoas acampadas nos arredores do Ginásio Nilson Nelson.

                Ontem a noite, 10 de fevereiro, fui até o local para conhecer e interagir. Foi uma experiência fantástica. Conversei com pessoas de diversas matizes ideológicas: anarquistas, socialistas, comunistas, cooperativas, etc.

                Logo que cheguei, dei de cara com um banquinha de livros montada pela Federação Anarquista do Rio de Janeiro. Provocado por mim, um garoto de 17 anos discorria com muita propriedade sobre o movimento anarquista e sobre as experiências históricas de desenvolvimento do anarquismo: na Manchúria, na Ucrânia, no México, com o exército zapatista, entre outros. Segundo ele, eram eventos que mostravam que o anarquismo não é uma utopia, mais um conjunto de idéias que parte da experiência prática das pessoas.

                Depois comprei uma camiseta do MST, no banquinha ao lado, que é a roupa que ousei vestir no trabalho hoje, como demonstração de apoio ao movimento.

                Continuei circulando e parei em uma banquinha de produtos orgânicos vendidos por uma cooperativa de produtores. O vendedor me explicou que ele é um dos cooperados. No entanto, na cooperativa, também havia pessoas contratadas sob regime da CLT, ou seja, sob as leis trabalhistas burguesas. Mas essas pessoas também poderiam se tornar cooperados, caso se interessem e atendam a determinadas condições. Explicou ainda que os resultados da produção são distribuídos igualitariamente entre os cooperados e que os dirigentes, que trabalham no escritório, têm o mesmo salário que os trabalhadores do campo. Os dirigentes são eleitos pelos próprios cooperados, por mandato de 2 anos, sendo permitida apenas uma reeleição.

              Havia trabalhadores produzindo farinha de mandioca. “Ocupar, resistir e produzir!” Esse é o lema. Registrei em vídeo.


                Depois percebi que estava com fome e fui procurar algo para comer. Encontrei uma espécie de setor de alimentação, com várias cozinhas, pertencentes a vários assentamentos de trabalhadores rurais. Abordei uma mulher que trabalhava em uma das cozinhas e perguntei quanto custava a refeição. Tive uma excelente surpresa. Ela disse que era de graça.

                Mas não havia pratos talheres, cada um trazia o seu. Um rapaz, que ouvia toda a conversa, ofereceu o seu prato e talher para eu comer. Aceitei de bom grado. Havia panelas enormes com arroz, feijão, batatas e repolho. Servi-me. Estava ótimo!

                Havia um senhor sentado na mesma mesa. Ele contou um pouco da sua história, de como entrou para o MST. Uma vida sofrida, como a de tantos brasileiros e brasileiras. Ele não queria mais ser explorado pelo patrão e nem pelo fazendeiro. Então se juntou ao MST para lutar e conseguir um pedaço de terra para plantar e produzir. Participou da ocupação de uma fazenda, a alguns anos atrás. O suposto dono da fazenda reuniu alguns capangas e tentou desocupar a fazenda. Eles resistiram bravamente. Certo dia, vieram algumas caminhotes com capangas armados, para expulsar os acampados. Mas eles já estava preparados para o combate. Também possuíam armas, atiraram para assustar os capangas, que resolveram fugir. Uma carnificina foi evitada. E o acampamento se consolidou. Ele finalmente conseguiu o seu pedacinho de terra, que possui até hoje, onde planta e colhe os frutos de seu próprio trabalho.


                Depois, comecei a conversar com a mulher que me ofereceu comida: Aucídia Fernandes Nunes. Uma pessoa radiante, com brilho nos olhos. Ela resolveu não ser apenas uma expectadora. Decidiu entrar na história e transformá-la. Não sozinha. Mas junto com todos os outros lutadores e lutadoras do MST, reunidos em um acampamento tão grande e cheio de histórias, um congresso do tamanho dos seus sonhos. Ela é cozinheira de uma escola pública, localizada em um acampamento em Rio Bonito do Iguaçu.  É funcionária do Estado do Paraná, com um contrato temporário e precarizado de trabalho. Ela também quer um pedaço de terra. Mostrou uma camiseta do MST, que diz muito sobre o porque ela está ali: “Não somos apenas expectadores, mas atores da história.”

                Havia várias apresentações de cultura camponesa. Uma delas é o do grupo Unidos na Lona Preta, que foi registrada em vídeo.


                Não acredite no que a Globo fala sobre o MST. Não acredite no que a Veja, o Estadão, a Folha e o restante da mídia burguesa capitalista brasileira falam sobre os movimentos populares. Quando era adolescente, só tinha contato com essa mídia. Passei por uma verdadeira lavagem cerebral, que só fui superada quando entrei na faculdade e comecei a ter contato com outras maneiras de ver o mundo. Eles fazem parte de uma elite gananciosa e egoísta, que quer manter os seus privilégios e o seu domínio sobre os corações e mentes das pessoas. Se quer conhecer o MST, converse com as pessoas, vá até um assentamento, o congresso do movimento, visite o site do MST na internet.

                Isso me fez lembrar um trecho do poema Louvor ao estudo, de Bertold Brecht:

“Não temas perguntar, companheiro!
Não te deixes convencer!
Compreende tudo por ti mesmo.
O que não sabes por ti,
não o sabes.
Confere a conta.
tens de pagá-la”

                O MST, sendo um movimento social, grande e complexo, também está imerso em contradições. Sabe-se que os dirigentes possuem algumas ligações com o PT, que é o partido da presidenta da república, que, por sua vez, tem atrasado o processo de reforma agrária. No entanto, todos os partidos e movimentos, em maior ou menor grau, possuem contradições. Somos socialistas, mas precisamos sobreviver em um mundo que ainda é capitalista.  O sistema capitalista nos coloca nessas contradições, que só podem ser superadas por meio da transição para um outro modelo de produção e consumo, mais igualitário, fraterno e consciente. Acredito que o MST está a serviço da superação do sistema capitalista e do latifúndio, da monocultura, do agrotóxico. Mais do que isso, o MST contribui substantivamente para o combate aos latifundiários no Brasil, que é um dos poucos países que nunca promoveu uma reforma agrária ampla e verdadeira.


                Hoje é apenas o segundo dia de congresso, dá tempo de ir ainda. Fica a dica para quem mora em Brasília.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Presidenta pode?


Reflexões sobre variações da língua e seu caráter político

Em todo conceito existe uma prisão e, ao mesmo tempo, as chaves para a libertação. Por meio das palavras, criamos as barreiras que nós mesmos buscamos ultrapassar. Aprendemos a viver rodeado de palavras, conceitos, definições. Muitas vezes, acreditamos tanto nas definições por nós mesmos criadas que pensamos se tratar de conceitos universais, acima do bem e do mal, perenes, estanques. Os conceitos são fluidos, dinâmicos, como a própria linguagem. A gramática normativa procura colocar limites, impor distinções entre aqueles que conhecem a norma e aqueles que a ignoram, entre aqueles que usam a linguagem como símbolo de status e aqueles que a usa somente como meio de comunicação.

                Nasci e cresci sendo ensinado que havia um jeito certo de falar, um jeito certo de escrever. Mas, durante muito tempo, não fui alertado de que esses tais jeitos certos eram tão castradores, elitistas, podadores da criatividade e do dinamismo da linguagem. Não sabia que esses tais jeitos certos eram opressores e carregados de preconceitos. Tornei-me um chato. Corrigia intempestivamente as pessoas do meu círculo social por falarem da forma supostamente “errada”. Mal sabia eu que, na verdade, não se tratava de falar errado, mas de falar diferente daquilo que os meus professores de português ensinaram, que falar errado, na verdade, tratava-se de falar de maneira mais simples, espontânea, sincera, viva.

                Uma das expressões que sempre corrigia as pessoas, inclusive minha mãe era por usar: “Para mim fazer isso...” NÃO, dizia, é “para eu fazer isso”. Tá, então faça você mesmo. “para mim, é para mim até o fim.” E acabou.

Na verdade, existe uma grande variação na palavras, tanto na forma, quanto no conteúdo e no significado. A forma de se falar e escrever muda constante e intensamente, por mais fortes que sejam as instituições guardiãs do marasmo e da petrificação da língua. Petrificação da língua? Sim, existem pessoas que trabalham, voluntária ou involuntariamente para petrificar a língua, mantê-la padronizada, estanque, dura. Mas não conseguem. E a língua não cessa de se transformar. “Água mole em língua dura, tanto bate até que fura”.  


                Um furo marcante na língua portuguesa tem sido protagonizado pela própria presidenta. Ultimamente, muitos lingüistas tem entrado na polêmica sobre o gênero dos substantivos, isso pelo fato de a atual chefe de governo do Brasil ter expressado o desejo de ser chamada de “presidenta”, ao invés de presidente. Os guardiões da gramática normativa e do marasmo lingüístico se alvoroçaram, chegaram a beira de chamar Dilma de analfabeta, de assassina do português. O principal argumento é o de que, de acordo com a gramática normativa, presidente é uma palavra que não possui variante de gênero, bem como servente, dirigente, etc... Ora, se não possui, basta criar. E foi isso que se fez. Recentemente, Juliana Selbach, eleita como presidenta do PSOL-DF decidiu também usar a nova variante de gênero. Mas ela não é somente uma presidenta, mas também uma militanta, estudanta, eleganta, inteligenta, surpreendenta! Dói os ouvidos, dizem alguns. Pois se acostumem, é o som da besta-fera portuguesa libertando-se dos seus grilhões!

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Além do horizonte, uma bicicletada!



Ontem, realizei um antigo sonho: participar da bicicletada, um passeio ciclístico que acontece na última sexta-feira de cada mês em muitas cidades do mundo, inclusive Brasília. A gente se concentrou em frente ao Museu Nacional às 19 horas e partimos às 20h, mais ou menos 20 pessoas. O trajeto foi decidido coletivamente, na reunião que antecede a pedalada. Fiquei impressionado com o cuidado e a presteza do pessoal, a preocupação de pedalarmos em um ritmo tranquilo, que todos pudessem acompanhar, sem deixar ninguém para trás.

            O movimento é bastante horizontal, anárquico. Faz da bicicleta não somente um equipamento de lazer, mas também um meio de transporte, uma ferramenta anti-capitalista, subversiva, revolucionária. Um instrumento de combate à carrocracia[1] e à opressão, por um mundo mais humanos e menos motorizado. Isso se torna muito mais especial por acontecer em Brasília, uma cidade originalmente projetada para carros. Reza a lenda que Lúcio Costa, o urbanista que elaborou o projeto do plano piloto de Brasília na década de 1950, disse o seguinte: “Não imagino ninguém no século XXI sem carro.” Daí o fato de projetar Brasília como se todos tivessem um carro. O século XXI chegou a galope, já entrou na sua segunda década, e o carro tem se mostrado um meio de transporte caro, poluente, violento e que reflete um uso irracional do solo urbano, gerando grandes congestionamentos. A bicicleta aparece como uma alternativa sustentável, barata e altamente viável, sobretudo para terrenos mais planos, como o de Brasília.

                A bicicletada não é apenas um passeio ciclístico, é um movimento político. Passamos por lugares movimentados, bares e restaurantes lotados entoando palavras de ordem como:

“Mais bicicletas, menos carros.
Mais adrenalina, menos gasolina.
Mais amor, menos motor.
Mais tesão, menos combustão.”

“No posto de gasolina, não gasto dinheiro meu
No posto de gasolina só encho meu pneu.”

“Ocupa, ocupa, ocupa e padala.”

Já estive do outro lado: sentado na mesa do bar e vendo as bicicletas passarem. Morria de vontade de um dia estar com eles, pedalando, revolucionando e sambando na cara do sociedade. Este dia chegou.
Outra coisa que me surpreendeu no movimento foi a simplicidade. Os ciclistas da bicicletada não são atletas de elite, que gastam rios de dinheiro com bicicletas, equipamentos e roupas caras. São pessoas comuns, como eu e você, e que decidiram “gozar a liberdade de uma vida sem frescura.”, ousaram quebrar o marasmo e pedalar, resolveram transformar a revolta em arte, alegria, mobilização.

Se você curtiu e quer conhecer, apareça na próxima bicicletada, na última sexta-feira do mês de fevereiro, em frente ao Museu e à Biblioteca Nacional. Se não é de Brasília, procure a galera da bicicletada de sua cidade ou crie uma, se ainda não existir.

Tony Gigliotti Bezerra, militante socialista, do Juntos e do PSOL

Para saber mais:
https://www.facebook.com/groups/bicicletadadf/
http://bicicletadadf.blogspot.com.br/




[1] Carrocracia é um sistema econômico e político que promove o carro, transporte individual e motorizado, como única alternativa de vida, como símbolo de status e fonte de desigualdades e hierarquias sociais.