domingo, 11 de março de 2018

Sobre as prévias no PSOL: um diálogo com a militância


Este texto fala sobre a proposta de realização de prévias partidárias no PSOL, para escolha de candidato a presidência da república e a outros cargos da eleição majoritária. É muito curioso observar as críticas a esse método de escolha de candidaturas. A crítica mais tradicional é aquela apontada pelo companheiro Pedro Costa Jr, do PSOL-DF: "só servirá pra nos digladiarmos ainda mais". Então é importante nos debruçarmos sobre essa objeção às previas, que me parece ser a mais citada pela direção. De acordo com essa visão, as prévias teriam o condão de acirrar as lutas internas do partido e inflamar os ânimos. As prévias fariam com que os militantes perdessem energia nas disputas internas ao invés de se dedicarem ao convencimento e diálogo com setores externos ao partido. Com isso, as prévias fariam com que nós deixássemos de disputar a sociedade e passássemos a nos dedicar quase exclusivamente às lutas internas, que seriam estéreis. Então eu me pergunto: será que os ânimos já não estão exaltados? Será que nós já não estamos nos digladiando? E mais: será que a insistência da direção em interditar as prévias não seria exatamente um dos principais pontos de divergência dentro da militância? 
O que quero dizer é que, boicotando as prévias, a direção está, na realidade, acirrando ainda mais os ânimos dentro do partido. Na tentativa de evitar o racha, eles estão causando uma cizânia muito maior. O debate do dia 7 de março, entre os pré-candidatos, mostrou muito bem isso: o processo de prévias emergiu como a principal bandeira de campanha de Plininho e outros. Enquanto isso, colocou-se a pecha de que Boulos e a direção do PSOL seiram antidemocráticos, o que não é necessariamente verdade. Ou seja, o boicote às prévias, realizado pela direção, acirrou ainda mais os ânimos dentro do PSOL.
Pois bem, aí vem o outro argumento importantíssimo para dispensar as prévias, também apresentado pelo companheiro Pedro Jr.: não vale a pena “ter prévias pra decidir algo q já tá evidente”. É o argumento de que as prévias seriam desnecessárias porque já estaria evidente que a grande maioria do partido votaria a favor de Guilherme Boulos. Vale lembrar também que ontem, dia 10 de março de 2018, de fato se apresentou uma grande maioria a favor da referida candidatura, por ocasião da Conferência Eleitoral do PSOL realizada em São Paulo.
Eu concordo com o argumento de que, quando há unanimidade na direção sobre uma candidatura, talvez não valha a pena realizar prévias, bastando uma votação simbólica. Eu me lembro que, em uma reunião da Executiva do PSOL-DF, no final de 2017, o ex-presidente nacional do PSOL, Luís, Araújo, disse que, se ao menos 90% da direção do partido concorda com a escolha de um candidato, não seria necessário realizar prévias. Achei a fala dele muito interessante por apontar um valor percentual para esse critério de “escolha evidente”. Ao mesmo tempo, é interessante notar que, na conferência de 10 de março, não se atingiu, nem de longe, esse percentual. Nessa ocasião, 71% dos delegados escolheram Boulos, muito abaixo dos 90% indicados por Luiz Araújo. Acredito que seja necessário estabelecer, com precisão, esse critério, e talvez seja essa uma boa proposta para se apresentar no próximo congresso partidário: qual o percentual razoável de votos no diretório seria suficiente para dispensar a realização de prévias. Sem esse critério previamente estabelecido, o argumento da “vitória evidente” parece ser casuística.
Dessa forma, quero dizer que os dois principais argumentos para se dispensar as prévias, a de que elas acirrariam as lutas internas e a de que a vitória de Boulos era evidente, não se sustentam, na minha opinião. O primeiro não se sustenta porque o boicote às prévias causou uma cizânia muito maior do que aquela se procurava evitar. O argumento da vitória evidente não se sustenta porque não se estabeleceu, previamente, o percentual que configuraria essa vitória evidente, se 90% ou 80% ou 70%. Eu me lembro que, no Congresso Nacional do PSOL, em 2013, a US impôs a pré-candidatura de Randolfe Rodrigues à presidência por meio de uma estreita margem de votos, menos que 55%. Ou seja, o argumento da vitória evidente foi dispensado e a ala majoritária impôs um nome bastante impopular no seio da militância organizada do partido. Mais tarde, o próprio Randolfe reconheceu isso e abriu mão da candidatura, abrindo espaço para Luciana Genro. Isso mostra que argumento da vitória evidente se mostra elástica e casuística dentro do partido, demonstrando a necessidade de se estabelecer, o mais rápido possível, qual seria o percentual razoável de votos para se dispensar as prévias.
Por fim, quero dizer que, se houvesse prévias no PSOL, provavelmente votaria exatamente naquela candidatura que foi escolhida pela direção: Guilherme Boulos e Sônia Guajajara, sobretudo após o debate do dia 7, que, na minha opinião, acabou mostrando um pouco do ranço anti-petista que ainda paira sobre uma parcela da militância. Concordo que o vídeo de Lula na Conferência do dia 3 de março era dispensável, e isso mostra que não é seguro deixar a comunicação de campanha unicamente nas mãos da Fora do Eixo e Mídia Ninja. Contudo, a candidatura Boulos-Guajajara parece representar uma aposta (arriscada, diga-se de passagem) na aliança do PSOL com dois segmentos importantíssimos do movimento social: movimento dos trabalhadores sem-teto e movimento indígena. São segmentos que, que há bastante tempo, descolaram-se do petismo e tiveram a coragem de fazer as críticas necessárias ao governo do PT. Além disso, entendo que o golpe de 2016 representou uma importante mudança na conjuntura política do país, que exige de nós também uma mudança de postura, diante da tal onda conservadora.
Acredito que as prévias fortaleceriam a democracia partidária e permitiram um debate mais aberto e franco sobre as candidaturas. As prévias são uma oportunidade para se propor ideias para o programa de governo e melhorar o diálogo com a sociedade. O debate entre os pré-candidatos serviria como uma espécie de treinamento para as difíceis disputas que ocorrem durante a campanha. Existe a ideia também de se realizar prévias amplas, com a participação de não-filiados, como ocorre dos Estados Unidos, o que deve ser feito de maneira criteriosa, para evitar fraudes. Outra proposta é fazer prévias com pesos diferentes para os votos de filiados em relação ao de não-filiados. Prévias seriam desgastantes? Talvez, mas a democracia exige de nós um exercício diário de diálogo e compreensão do outro. Uma candidat@ escolhida por prévias teria muito mais legitimidade para falar em nome do partido. Fica a dica para a próxima eleição.