domingo, 9 de março de 2014

Dilma e a pedagoga feminista

Fiquei alarmado com o pronunciamento da presidenta Dilma no Dia Internacional da Mulher. É impressionante como se tenta capturar a luta feminista e direcioná-la para um viés capitalista, individualista e exploratório.

Dilma e a pedagoga feminista

Dilma: Você prefere ser explorada por um homem empreendedor ou por uma mulher empreendedora?
Ela responde: Prefiro não ser explorada.

Dilma pergunta: Se não for para a escola, você prefere apanhar do papai ou da mamãe?
Ela responde: Prefiro não apanhar.

Dilma pergunta: Se usar saia curta, você prefere sofrer abuso sexual de um homem ou de uma mulher?
Ela responde: Prefiro não ser abusada sexualmente.

Dilma pergunta: Você prefere venerar a um Deus ou uma Deusa?
Ela responde: A espiritualidade supera qualquer veneração egoísta.

Dilma pergunta: Você prefere ser oprimida por um ditador ou por uma ditadora?
Ela responde: Prefiro não ser oprimida.

Dilma pergunta: Você prefere amar ou ser amada?

Ela conclui: O amor é uma via de mão dupla. O único caminho para o amor é reciprocidade. 

sábado, 8 de março de 2014

Aborto: apoiar não, descriminalizar sim

Neste dia internacional da mulher, resolvi concluir e publicar um texto sobre os direitos das mulheres. No artigo, explico porque mudei a opinião que sustentava durante muitos anos e passei a apoiar a descriminalização do aborto.

Aborto: apoiar não, descriminalizar sim 

                As religiões de matriz cristã tem adotado uma postura de fanatismo no que refere ao debate sobre a descriminalização do aborto. E fazem isso porque supõe que, se o aborto for descriminalizado, os índices de aborto aumentarão. Pior que isso, supõe que as mulheres deixam de abortar pura e simplesmente pelo medo de serem punidas pelo Estado.  Um engano completo.

Primeiramente, é preciso dizer que as mulheres, via de regra, não abortam porque querem, mas porque a sociedade impõe à maternidade uma série de constrangimentos, regras e papeis sociais às quais ela se recusa a seguir no momento em que decide abortar. Ser mãe não é fácil. Ser mãe em uma sociedade capitalista, conservadora e machista é mais difícil ainda. O Estado brasileiro é negligente no atendimento às necessidades das mães e das crianças. Não há creches públicas suficientes para atender à população, não há assistência social à maternidade e à infância, não são respeitadas a dignidade e direitos das crianças e mães. Para piorar, algumas igrejas e denominações religiosas, ao invés de receber fraternalmente as mães solteiras e apoiá-las na criação dos filhos, muitas vezes acabam por estigmatizá-las e excluí-las da comunidade, antecipando-se e impondo na terra a punição que eles acreditam que a mãe deveria sofrer depois da morte. Curiosamente, as mesmas pessoas que recriminam a mulher por ter filhos sem estar casada são as mesmas que defendem a manutenção das leis atuais e o encarceramento da mulher, caso cometa o aborto.

Em segundo lugar, é preciso dizer que nem todas as práticas e hábitos considerados imorais pelo cristianismo são objetos de criminalização legal pelo Estado. Pelo contrário, há diversas práticas e hábitos imorais que não são objetos de criminalização, como, por exemplo: o alcoolismo, tabagismo, os jogos de azar, a usura, o enriquecimento material, a promiscuidade, a prostituição, a mentira, a ofensa, o suicídio, o maltrato e sacrifício de animais para servir de comida, só para citar alguns exemplos. Trata-se de práticas e hábitos considerados imorais, em maior ou menor grau, pelo cristianismo, pois estão relacionados ao materialismo, à dependência química, aos vícios da carne, à objetificação da pessoa humana, à auto-destruição, ao egoísmo, etc, e que, no entanto, não são consideradas crime no Brasil e na maioria dos países laicos de maioria cristã.  Estes são casos que, apesar de serem considerados imorais pelas religiões cristãs, não são objeto de vedação legal. Talvez não seja mera coincidência que estes hábitos imorais não-criminalizados sejam observados mais comumente entre pessoas do sexo masculino.  

                Se eles defendem a criminalização do aborto, porque não defendem a criminalização da prostituição ou do tabagismo, por exemplo? Neste sentido, podemos dizer que os dirigentes das religiões cristãs entram em contradição quando defendem a criminalização do aborto, mas não de outras práticas que eles consideram imorais. Ora, é evidente que a mudança de hábitos não se dá pela via da criminalização, mas da conscientização. Santo Agostinho sinaliza: “Acredito mais naqueles que ensinam do que nos emissores de ordens para crer.” Criminalizar é dar uma ordem para crer, sob pena de ser encarcerado em uma prisão.

                Jesus Cristo rechaça a criminalização como método de mudança de hábitos. Quando Maria Madalena era apedrejada por ter se prostituído, Cristo assevera: “Quem nunca pecou, que atire a primeira pedra.” Em outra passagem, ele diz: “Ao invés de tirar o cisco dos olhos do outro, retire a trave que está no seu próprio olho.” “Se alguém lhe der uma tapa na face direita, ofereça também a esquerda.” Está evidente a sua opção pela via da não-criminalização. Talvez por saber que as prisões são, em grande medida, faculdades do crime, instituições que fortalecem os vínculos entre os criminosos, que geram a criação de grupos de crime organizado.

Criminalizar não causa mudança de hábitos, a não ser que as penas sejam muito severas e de execução imediata, ocasião na qual as pessoas deixam de praticar o ato por simples medo da punição e não por ato de consciência.

Além disso, não é correto dizer que descriminalizar, por si só, aumentaria a quantidade de abortos. Se a descriminalização do aborto for aliada a políticas de planejamento familiar, prevenção da gravidez indesejada e assistência social a mulheres e seus filhos, a conseqüência é justamente a redução da ocorrência do aborto. O tabagismo se reduziu pela metade no Brasil nos últimos anos e não foi pela via da criminalização, mas da conscientização.

Descriminalizar o aborto, no entanto, não deve retirar a liberdade do médico que seja servidor em hospital púbico, de não proceder o aborto. Se houver um médico ou profissional de saúde que não queira cooperar com práticas abortivas, eles devem ser respeitados, pois o fazem por um imperativo de consciência.

                O fato de algo ser permitido pela lei não significa que as pessoas o praticarão. Muito pelo contrário, sabe-se que “tudo nos é permitido, mas nem tudo nos convém.”  Ao invés de julgar os outros com a nossa régua, que é torta e distorcida, devemos inspirar as outras pessoas por meio do convencimento e, principalmente, pelo exemplo. Permitir o aborto não significa que as pessoas devem apoiá-lo. Muito pelo contrário, é a partir da descriminalização que se poderá estabelecer um debate mais sincero e aberto sobre a questão, que ainda é uma tabu na sociedade brasileira.

                Se você é, como eu, contra o aborto, o melhor que pode fazer é incentivar as mulheres a não abortar. Mais do que isso, dispor-se a adotar o filho caso ela não possa arcar com a sua criação, defender políticas públicas de assistência à maternidade e à infância, construção de creches públicas, políticas de conscientização sobre os malefícios do aborto, concessão de apoio material e humano às mães solteiras e que tenham dificuldades em criar os seus filhos.

                É possível defender a descriminalização do aborto sem apoiar a prática abortiva. É o que faz, à anos, o grupo chamado “Católicas pelo direito de decidir”, formado por mulheres que são contra o aborto, mas são mais contra ainda a criminalização e estigmatização das mulheres que cometeram aborto. Abaixo, deixo o link de um excelência debate sobre o assunto, com a presença de uma liderança deste grupo. O país que conseguiu reduzir o tabagismo pela metade em 20 anos, sem criminalização, também será capaz de reduzir os índices de aborto, que castigam tanto aos fetos quanto às mulheres.


Debate sobre a descriminalização do aborto: http://www.youtube.com/watch?v=rlMobV_1h30