Neste dia internacional da mulher, resolvi concluir e
publicar um texto sobre os direitos das mulheres. No artigo, explico porque
mudei a opinião que sustentava durante muitos anos e passei a apoiar a
descriminalização do aborto.
Aborto: apoiar não, descriminalizar sim
As
religiões de matriz cristã tem adotado uma postura de fanatismo no que refere
ao debate sobre a descriminalização do aborto. E fazem isso porque supõe que,
se o aborto for descriminalizado, os índices de aborto aumentarão. Pior que
isso, supõe que as mulheres deixam de abortar pura e simplesmente pelo medo de
serem punidas pelo Estado. Um engano
completo.
Primeiramente, é preciso dizer que
as mulheres, via de regra, não abortam porque querem, mas porque a sociedade
impõe à maternidade uma série de constrangimentos, regras e papeis sociais às
quais ela se recusa a seguir no momento em que decide abortar. Ser mãe não é
fácil. Ser mãe em uma sociedade capitalista, conservadora e machista é mais
difícil ainda. O Estado brasileiro é negligente no atendimento às necessidades
das mães e das crianças. Não há creches públicas suficientes para atender à
população, não há assistência social à maternidade e à infância, não são
respeitadas a dignidade e direitos das crianças e mães. Para piorar, algumas
igrejas e denominações religiosas, ao invés de receber fraternalmente as mães
solteiras e apoiá-las na criação dos filhos, muitas vezes acabam por
estigmatizá-las e excluí-las da comunidade, antecipando-se e impondo na terra a
punição que eles acreditam que a mãe deveria sofrer depois da morte. Curiosamente,
as mesmas pessoas que recriminam a mulher por ter filhos sem estar casada são
as mesmas que defendem a manutenção das leis atuais e o encarceramento da
mulher, caso cometa o aborto.
Em segundo lugar, é preciso dizer
que nem todas as práticas e hábitos considerados imorais pelo cristianismo são
objetos de criminalização legal pelo Estado. Pelo contrário, há diversas
práticas e hábitos imorais que não são objetos de criminalização, como, por
exemplo: o alcoolismo, tabagismo, os jogos de azar, a usura, o enriquecimento
material, a promiscuidade, a prostituição, a mentira, a ofensa, o suicídio, o
maltrato e sacrifício de animais para servir de comida, só para citar alguns
exemplos. Trata-se de práticas e hábitos considerados imorais, em maior ou
menor grau, pelo cristianismo, pois estão relacionados ao materialismo, à
dependência química, aos vícios da carne, à objetificação da pessoa humana, à
auto-destruição, ao egoísmo, etc, e que, no entanto, não são consideradas crime
no Brasil e na maioria dos países laicos de maioria cristã. Estes são casos que, apesar de serem
considerados imorais pelas religiões cristãs, não são objeto de vedação legal.
Talvez não seja mera coincidência que estes hábitos imorais não-criminalizados
sejam observados mais comumente entre pessoas do sexo masculino.
Se eles
defendem a criminalização do aborto, porque não defendem a criminalização da
prostituição ou do tabagismo, por exemplo? Neste sentido, podemos dizer que os
dirigentes das religiões cristãs entram em contradição quando defendem a
criminalização do aborto, mas não de outras práticas que eles consideram
imorais. Ora, é evidente que a mudança de hábitos não se dá pela via da
criminalização, mas da conscientização. Santo Agostinho sinaliza: “Acredito
mais naqueles que ensinam do que nos emissores de ordens para crer.” Criminalizar
é dar uma ordem para crer, sob pena de ser encarcerado em uma prisão.
Jesus
Cristo rechaça a criminalização como método de mudança de hábitos. Quando Maria
Madalena era apedrejada por ter se prostituído, Cristo assevera: “Quem nunca
pecou, que atire a primeira pedra.” Em outra passagem, ele diz: “Ao invés de
tirar o cisco dos olhos do outro, retire a trave que está no seu próprio olho.”
“Se alguém lhe der uma tapa na face direita, ofereça também a esquerda.” Está
evidente a sua opção pela via da não-criminalização. Talvez por saber que as
prisões são, em grande medida, faculdades do crime, instituições que fortalecem
os vínculos entre os criminosos, que geram a criação de grupos de crime
organizado.
Criminalizar não causa mudança de
hábitos, a não ser que as penas sejam muito severas e de execução imediata,
ocasião na qual as pessoas deixam de praticar o ato por simples medo da punição
e não por ato de consciência.
Além disso, não é correto dizer
que descriminalizar, por si só, aumentaria a quantidade de abortos. Se a
descriminalização do aborto for aliada a políticas de planejamento familiar,
prevenção da gravidez indesejada e assistência social a mulheres e seus filhos,
a conseqüência é justamente a redução da ocorrência do aborto. O tabagismo se
reduziu pela metade no Brasil nos últimos anos e não foi pela via da
criminalização, mas da conscientização.
Descriminalizar o aborto, no
entanto, não deve retirar a liberdade do médico que seja servidor em hospital
púbico, de não proceder o aborto. Se houver um médico ou profissional de saúde
que não queira cooperar com práticas abortivas, eles devem ser respeitados,
pois o fazem por um imperativo de consciência.
O fato
de algo ser permitido pela lei não significa que as pessoas o praticarão. Muito
pelo contrário, sabe-se que “tudo nos é permitido, mas nem tudo nos convém.” Ao invés de julgar os outros com a nossa
régua, que é torta e distorcida, devemos inspirar as outras pessoas por meio do
convencimento e, principalmente, pelo exemplo. Permitir o aborto não significa
que as pessoas devem apoiá-lo. Muito pelo contrário, é a partir da
descriminalização que se poderá estabelecer um debate mais sincero e aberto
sobre a questão, que ainda é uma tabu na sociedade brasileira.
Se você
é, como eu, contra o aborto, o melhor que pode fazer é incentivar as mulheres a
não abortar. Mais do que isso, dispor-se a adotar o filho caso ela não possa arcar
com a sua criação, defender políticas públicas de assistência à maternidade e à
infância, construção de creches públicas, políticas de conscientização sobre os
malefícios do aborto, concessão de apoio material e humano às mães solteiras e
que tenham dificuldades em criar os seus filhos.
É
possível defender a descriminalização do aborto sem apoiar a prática abortiva.
É o que faz, à anos, o grupo chamado “Católicas pelo direito de decidir”,
formado por mulheres que são contra o aborto, mas são mais contra ainda a
criminalização e estigmatização das mulheres que cometeram aborto. Abaixo,
deixo o link de um excelência debate sobre o assunto, com a presença de uma
liderança deste grupo. O país que conseguiu reduzir o tabagismo pela metade em
20 anos, sem criminalização, também será capaz de reduzir os índices de aborto,
que castigam tanto aos fetos quanto às mulheres.