sexta-feira, 25 de abril de 2014

Dilemas da política cultural brasileira

Segue abaixo, texto sobre política cultural, escrito como atividade de avaliação do 2ª módulo do Curso de Formação de Gestores Culturais, que estou cursando.

Descreva, suscintamente, o que você considera como sendo os dilemas das políticas culturais no Brasil contemporâneo.


As políticas culturais brasileiras deparam-se diante de alguns dilemas, correspondendo a clivagens que expressam tensões sociais . Neste texto, abordaremos algumas delas: a tensão entre cultura como direito social e cultura como um negócio privado; a tensão entre federalização e municipalização e a tensão entre padronização dos serviços e respeito à diversidade cultural.

O principal dilema das políticas culturais brasileiras é como é por quem os serviços  culturais serão prestados. Na Constituição, reconhece-se que a cultura é direito de todos, sendo que o Estado tem o dever de garantir o pleno acesso aos bens e serviços culturais aos seus cidadãos. Apesar disso, a maior parte da produção cultural fica a cargo de entidades privadas, cujo principal objetivo é o lucro. Essa é uma lógica incompatível com a perspectiva da cultura como um direito. Os altos preços dos serviços em algumas linguagens culturais, como teatro e cinema, fazem com que ela seja um privilégio de poucos.

A distribuição dos recursos da área cultural ainda é marcada por grandes distorções. Enquanto o Fundo Nacional de Cultura possui aproximadamente 300 milhões de reais por ano, a política de isenção fiscal recebe mais de 1,5 bilhão. Isso gera uma grande concentração dos recursos nos produtores de São Paulo e Rio de Janeiro, onde estão instaladas as sedes das grandes empresas. Com isso, os produtores culturais ficam a mercê dos interesses das corporações, que, muitas vezes, só financiam as atividades que possam gerar ganhos de publicidade e propaganda. Esta realidade poderá ser alterada a partir da discussão e aprovação do projeto de lei do pró-cultura, em tramitação no Congresso Nacional. Trata-se de um projeto que, se bem aplicado, permitirá a redução destas distorções e disparidades.


Para reverter esse processo, é necessário que a sociedade, por meio do Estado, conquiste o seu protagonismo na criação, distribuição, fruição e acesso dos bens e serviços culturais. Enquanto, nas áreas de saúde e educação, existe a noção de que o Estado deve fortalecer e empoderar os hospitais e escolas públicas, no caso da cultura não existe esta clareza. Teatros, museus e bibliotecas públicas são crescentemente sucateados, enquanto as atividades artísticas são realizadas essencialmente por entidades privadas. Existe a noção de que o professor deve ser um servidor público, mas ao artista a única alternativa é submeter-se aos ditames e vicissitudes da iniciativa privada, cabendo ao Estado somente incentivar os grupos privados. Há poucas companhias públicas de música, no formato de orquestras sinfônicas, e as que existem estão ainda muito ligados à influência da cultura erudita europeia e desconectados da cultura popular.

Outro dilema corresponde à tensão entre federalização e municipalização, ou seja, não há uma definição de quais serviços culturais devem ser prestados por União, estados municípios ou Distrito Federal. Atualmente, eles atuam concorrentemente em todas as áreas, gerando sobreposições e falta de eficiência na condução da política. Espera-se que, com a implementação da Comissão Intergestores Tripartite do Sistema Nacional de Cultura, esta questão possa ser melhor equacionada, definindo as atribuições de cada nível da federação na condução da política cultural, com destaque para os municípios, que estão mais próximo do cidadão.

Em terceiro lugar, destaca-se o dilema da padronização dos serviços e procedimentos versus a diversidade e dinamismo do setor cultural. No Programa Cultura Viva, muitos grupos tiveram dificuldade em cumprir os requisitos e padrões de prestação de contas. No Sistema Nacional de Cultura, é disseminada uma estrutura padronizada de gestão, composta por conselho, plano, fundo, órgão gestor e conferência de cultura. Ao mesmo tempo, a imposição destas regras rígidas pode dificultar a sua adaptação à realidade de municípios pequenos. A criação de padrões é, em si mesmo, um movimento cultural que pode causar perdas de diversidade em algumas situações. Equilibrar padronização e flexibilidade é outro desafio para a política cultural brasileira, sobretudo se considerarmos as dimensões continentais do Brasil.


Desse modo, as políticas culturais brasileiras enfrentam dilemas muito importantes, que só podem ser equacionados a partir de um amplo e respeitoso debate com todos os atores envolvidos. Ao mesmo tempo, constata-se que alguns nós só podem ser desatados se houver o enfrentamento direto com grupos e interesses muito poderosos, de entidades privadas que se favorecem do financiamento público. A cultura precisa ser compreendida como prioridade na agenda de políticas públicas. O fortalecimento das políticas culturais só podem ser obtido com mais investimentos e equipamentos e com a valorização dos servidores públicos da área cultural.

Pedir desculpas? Eu?

                Pedir desculpas pelas suas faltas pode ser muito mais difícil do que desculpar as faltas dos outros. Para desculpar o outro, é preciso reconhecer os erros dele. Mas para pedir desculpas, é preciso reconhecer os seus próprios erros e perdoar-se a si mesmo. Tarefa que pode ser penosa e difícil e que exige altas doses de amor e desapego.
Dalai Lama dizia: “É melhor encontrar um erro em si mesmo do que dezenas nos outros. Porque os seus você pode mudar.” Apesar disso, é mais difícil encontrar um erro em si mesmo, pois implica em reconhecer as suas próprias falhas, golpeando a espinha dorsal do egoísmo. Mais difícil ainda reconhecer os seus erros sem que isso afete a sua autoestima. Muitas vezes, a pessoa que reconhece o erro sente-se tão mal e fraca que não consegue se reeguer. Despojada da vaidade, acaba caindo nos descaminhos da baixo-estima. Desse modo, pedir desculpas é reconhecer-se corajoso o suficiente para enfrentar a apreciação pública de seus defeitos, sem que isso abale a sua autoestima e equilíbrio emocional.
                O pedido de desculpas é um ato público de reconhecimento de uma falta. Para se chegar a ele, no entanto, outras etapas precisam ter sido superadas: reconhecer intimamente o erro e perdoar-se por ele. Conforme o esquema abaixo:

Caminho do Perdão

                
Mas será que devemos pedir desculpas mesmo quando não reconhecemos o erro cometido? 

            Essa é uma questão complexa, que envolve muito meandros. Ao se deparar com uma pessoa que se ofendeu com um ato cometido por você, via de regra, é melhor se retratar.
Mas por que, se não fui eu quem errei?
Você pensa que não errou. “Você não é aquilo pensa que é. Você é aquilo que pensa.” Quando você faz ou diz algo, seus atos e palavras entram em contato com o campo mental de outra pessoa, fugindo ao seu controle. Você pode controlar aquilo que fala e diz, mas não pode controlar o modo como seu interlocutor receberá e tratará aquela informação. Suas palavras e atos, ao interagir com o outro, é interpretado a partir de um complexo conjunto de experiências e memórias do interlocutor. Palavras que parecem inocentes a você podem ter efeitos altamente destrutivos para a autoestima do interlocutor, podem fazê-lo lembrar de experiências negativas do passado, lembranças com as quais ele não sabe lidar muito bem. Por mais que suas intenções tenham sido boas ao proferir aquelas palavras, elas podem ser recebidas como uma grave ofensa, por incidir na sua identidade, sua cultura, seus valores morais, sua família, sua religião, sua organização política.
Quem melhor sabe sobre a gravidade de uma ofensa é aquele se sentiu ofendido. Se o autor soubesse que aquilo seria entendido como uma ofensa, provavelmente não o teria cometido. De modo geral, uma declaração é entendida como uma ofensa por ir contra os valores e ideias da pessoa ofendida. A gravidade de uma ofensa depende, dentre outros fatores, dos seguintes:
·         Do valor moral que o ofendido atribui ao ofensor.
A pessoa vai se sentir mais ofendida quando há uma quebra de confiança. Quando você espera que uma pessoa aja de determinada maneira e ela age de outra forma, contrária às suas expectativas.
·         Do assunto tratado na ofensa.
Se o ofensor tratou um assunto sensível para o interlocutor, abordando uma questão mal resolvida, uma declaração pode ser entendida como uma ofensa. Se você chama de louco uma pessoa qualquer, ela pode se sentir ofendida ou não. Mas se é uma pessoa com histórico de internações em hospitais psiquiátricos, as chances de isso ser entendido como uma ofensa pode ser maior. A sua declaração pode ter reativado um mantido processo de estigmatização, que você desconhecia completamente.
·         Da forma como o ato ou palavra foi feito ou proferido.
De forma geral, a maneira como uma declaração foi feita pode ser vista como agravante ou atenuante. Entre os agravantes estão: o tom irônico, prepotente ou de deboche; o não-reconhecimento posterior da falta. Entre os atenuantes estão: a maneira acidental ou não-intencional como ocorreu o fato.

Se o outro está ofendido com o que você disse, peça desculpas, mesmo que, naquele momento, você não tenha sido capaz de reconhecer o erro. Pode ser que futuramente você o reconheça e aí pode ser tarde demais. O Perdão é libertador. É melhor pecar pelo excesso que pela falta. Mas e quando aquele erro implica em consequências futuras? E quando reconhecer o erro implica em reconhecer uma dívida? Todo erro é uma dívida, assim nos ensina a lei do Karma. A questão é se essa dívida deve ser paga diretamente à pessoa ou grupo ofendido, ou se deve ser pago indiretamente, por outros meios.
Voltemos à pergunta: devemos pedir desculpas mesmo quando não reconhecemos o erro cometido?
Quando o pedido de desculpas não implica em um reconhecimento de dívidas dispendiosas, quando o pedido de desculpa possa gerar efeitos positivos para a sua relação do outro, sem insuflar o seu ego, quando o pedido de desculpas implique em um mero reconhecimento da possibilidade de ter ofendido alguém, mesmo que essa não tenha sido a sua intenção, então ela pode ser um bom caminho. Trata-se, neste caso, de reconhecer a possibilidade de haver cometido um erro na forma, mas não no conteúdo do ato.
Por outro lado, se o pedido de desculpas implica no reconhecimento de dívidas pessoais que você não está disposto a pagar, se o pedido de desculpas implicar em ceder à chantagem do outro ou possa insuflar o seu ego, então desculpar-se pode não ser o melhor caminho.
Em síntese, pedir desculpas implica em reconhecer, em alguma medida, a sua própria imperfeição. Pedir desculpas é reconhecer, no outro, alguém que pode estar sinceramente ofendido pelos seus atos e palavras, seja pelo seu conteúdo ou pela forma com que elas se revestiram. É um ato de amor, capaz de romper laços cármicos muito antigos e poderosos, que remontam a tempos imemoriais.

Devemos desculpar alguém que não pediu desculpas?

Trata-se de outra situação muito complexa. Se ele não pediu desculpas a você, significa que ele não percorreu inteiramente o caminho o perdão, que passa por pelo menos três fases: reconhecer o próprio erro, perdoar-se a si mesmo, expor publicamente seu pedido de desculpas. A primeira fase, de reconhecer o próprio erro, pode se dar de diversas formas e gradações. Pode ser um reconhecimento substantivo de que sua ação causou dano ao outro ou o reconhecimento hipotético de que sua ação pode ter sido interpretada como uma ofensa, embora essa não tenha sido a intenção. Em ambos os casos, pedir desculpas implica em reconhecer, de alguma maneira, as suas imperfeições enquanto pessoa humana.
Se uma pessoa não pediu desculpas, significa que ela não passou pela primeira fase, não passou a segunda fase ou não chegou a terceira fase. Pode se que a pessoa reconheceu o erro, mas não se perdoou. Como ela não foi capaz de se perdoar, talvez suponha que as outras pessoas também não serão capazes. Se ela pula a segunda fase, o pedido de desculpas pode significar um desequilíbrio na autoestima. Por que pedir desculpas para alguém se você mesmo não se perdoa? Por que achar que o outro seria capaz de fazer algo que você mesmo não é capaz, sobretudo considerando que o ofendido foi o outro? Por que achar que o outro lhe perdoaria por algo do que você mesmo não se perdoa? Seria uma incoerência.
O pensamento é recíproco: se fosse o contrário, você perdoaria o outro? Se fosse você o ofendido, você o perdoaria? Perdoar-se a si mesmo, implica, de alguma maneira, em fazer este exercício de se colocar no lugar do outro, analisar a sua capacidade de perdoar o outro e, assim, ser capaz de se auto-perdoar.
O fato de ter passado pela primeira e pela segunda fase não significa, necessariamente, que ele chegará à terceira. A retratação ou pedido de desculpas exige altas dosas de coragem política. É necessário ter capacidade de expor, humildemente, seu erro, e colocá-lo á apreciação do outro.
Dito isso, vamos ao mérito da pergunta: devemos desculpar alguém que não pediu desculpas?
- Sim.
- Mas como, se o outro não pediu desculpas?
Como dissemos anteriormente, o pedido de desculpas é o coroamento final de um longo processo de debate interno, no qual a pessoa se coloca frente a frente com seus próprios defeitos e imperfeições. Vale lembrar que nem todas as pessoas estão condições de passar por este longo processo, mantendo a sua dignidade e humildade, mantendo seu equilíbrio emocional.
Se você está ofendido com uma pessoa ou grupo, das duas uma: ou você se iludiu e depois se decepcionou com o comportamento dela, ou você já esperava, ao menos em tese, que isso pudesse acontecer. Se você já esperava que isso pudesse acontecer, então a ofensa em nada lhe surpreende, sendo que você já devia estar previamente preparado para enfrentar a ofensa e perdoá-la. Se você se iludiu e depois se decepcionou, então compartilha a culpa com o seu ofensor: foi você quem criou expectativas equivocadas sobre aquela pessoa.
O perdão não deve ser condicionado ao pedido de desculpas do ofensor. Não há mérito nenhum em perdoar aquele que já pagou a sua dívida.
Perdoar é ato pleno de amor e desapego. Não há porque condicionar ao pedido de desculpas. Se você reconhece que o outro te ofendeu, mostrando-se insensível aos danos que causaria a você, então ele também pode ser incapaz de perceber o erro que cometeu.
A raiva só é ruim pra quem sente. Da mesma maneira o rancor e mágoa. Analogamente, o principal beneficiário com o perdão é a própria pessoa que perdoa. Condicionar o perdão ao pedido do ofensor é confundir a própria essência do perdão. É achar que o maior beneficiário com o perdão é o ofensor, quando, na verdade, é o ofendido. Ao perdoar, ele rompe o círculo vicioso da violência e abre a possibilidade de o moinho da vida girar em outro sentido. Perdoar é libertar-se de laços cármicos de ódio e rancor.
Vale dizer que, quando ofendemos alguém, é a lei moral que são ofendidas. Quando fazemos algo que prejudica o outro, é a nós mesmos que estamos prejudicando. Tudo que fazemos de mal ao outro retorna para nós, por uma reação mecânica, automática, independente da vontade do outro. Tudo que fazemos de bem ao outro retorna para nós, a partir dos mesmos critérios. Leis morais são irrevogáveis.

“Que um dia possamos despertar deste longo sono e perceber o quão infantil e primitiva é a nossa raiva, fúria, ódio, mágoa, rancor, recalque e desejo de vingança. Neste dia, vamos nos perdoar mutuamente, sorrir um para o outro, nos abraçar e trabalhar juntos.”

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Salvador em branco e preto



Salvador, uma cidade negra
Com uma elite ainda branca
Que fala uma língua ainda racista
Que adora a pomba branca, a paz branca, a pureza
Mas abomina a ovelha negra, o cisne negro, o urubu,
Ah, urubu, que segue desejando nossos corpos
Quando os outros só vêem fedor.
Que acaricia nossas vísceras
Com bicadas famélicas, decididas, assertivas

Nas ruas, negros pedindo esmola para outros negros
Nos palácios, brancos dando esmolas para outros brancos
Nas ruas, negros em situação de rua
Nos hotéis, brancos em situação de brancos,
“Turistas”, ah, turistas,
Escoltados por policiais negros que protegem os brancos de outros negros;
Comprando o mito de uma igualdade racial que nunca vem.

Em Salvador, esse mito é ainda mais emblemático
No teatro Jorge Amado, uma surpresa!
Um ator negro falando sobre racismo
Para uma platéia branca,
Majoritariamente branca,
Incrivelmente branca em uma cidade negra.
O ingresso de 50 reais os “peneirou”.
(O preço proibitivo peneirou o público)
Um protagonista negro,
Um humorista negro
Em uma comédia tragicômica
Que ironiza o mito da igualdade
Desigualdade que a platéia reforça com sua estranha brancura
Com suas gargalhadas racistas,
Diante de piadas discretamente racistas
Que zomba da pobreza negra e periférica
Mas é um ator negro,
Um protagonista negro,
Incrivelmente negro em uma platéia branca,
Incrivelmente branca em uma cidade negra,
Onde o racismo vai se tornando cada vez mais sutil, delicado...
E, portanto, mais poderoso.

No carnaval...
Todos atrás do trio
Alguns dentro da corda: compraram abadá
Outros fora: não compraram abadá

Isabel, a sábia princesa,
Libertou os senhores de engenho
Anistiou seus crimes e faltas,
Condenou os negros a pagarem o aluguel para morarem na senzala
e sentenciou:
Pra que a escravidão
Se nós temos o capitalismo?

Tony Gigliotti Bezerra.

Servidor da cultura

Fonte: http://revistarever.com/2014/02/26/violencia-no-carnaval-ou-o-carnaval-quem-e-que-faz/