Pedir
desculpas pelas suas faltas pode ser muito mais difícil do que desculpar as
faltas dos outros. Para desculpar o outro, é preciso reconhecer os erros dele.
Mas para pedir desculpas, é preciso reconhecer os seus próprios erros e
perdoar-se a si mesmo. Tarefa que pode ser penosa e difícil e que exige altas
doses de amor e desapego.
Dalai Lama dizia: “É melhor
encontrar um erro em si mesmo do que dezenas nos outros. Porque os seus você
pode mudar.” Apesar disso, é mais difícil encontrar um erro em si mesmo, pois
implica em reconhecer as suas próprias falhas, golpeando a espinha dorsal do
egoísmo. Mais difícil ainda reconhecer os seus erros sem que isso afete a sua autoestima.
Muitas vezes, a pessoa que reconhece o erro sente-se tão mal e fraca que não
consegue se reeguer. Despojada da vaidade, acaba caindo nos descaminhos da
baixo-estima. Desse modo, pedir desculpas é reconhecer-se corajoso o suficiente
para enfrentar a apreciação pública de seus defeitos, sem que isso abale a sua autoestima
e equilíbrio emocional.
O
pedido de desculpas é um ato público de reconhecimento de uma falta. Para se
chegar a ele, no entanto, outras etapas precisam ter sido superadas: reconhecer
intimamente o erro e perdoar-se por ele. Conforme o esquema abaixo:
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Caminho do Perdão
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Mas
será que devemos pedir desculpas mesmo quando não reconhecemos o erro cometido?
Essa é uma questão complexa, que envolve muito meandros. Ao se deparar com uma
pessoa que se ofendeu com um ato cometido por você, via de regra, é melhor se
retratar.
Mas por que, se não fui eu quem
errei?
Você pensa que não errou. “Você
não é aquilo pensa que é. Você é aquilo que pensa.” Quando você faz ou diz
algo, seus atos e palavras entram em contato com o campo mental de outra
pessoa, fugindo ao seu controle. Você pode controlar aquilo que fala e diz, mas
não pode controlar o modo como seu interlocutor receberá e tratará aquela
informação. Suas palavras e atos, ao interagir com o outro, é interpretado a
partir de um complexo conjunto de experiências e memórias do interlocutor.
Palavras que parecem inocentes a você podem ter efeitos altamente destrutivos
para a autoestima do interlocutor, podem fazê-lo lembrar de experiências
negativas do passado, lembranças com as quais ele não sabe lidar muito bem. Por
mais que suas intenções tenham sido boas ao proferir aquelas palavras, elas
podem ser recebidas como uma grave ofensa, por incidir na sua identidade, sua
cultura, seus valores morais, sua família, sua religião, sua organização
política.
Quem melhor sabe sobre a
gravidade de uma ofensa é aquele se sentiu ofendido. Se o autor soubesse que
aquilo seria entendido como uma ofensa, provavelmente não o teria cometido. De
modo geral, uma declaração é entendida como uma ofensa por ir contra os valores
e ideias da pessoa ofendida. A gravidade de uma ofensa depende, dentre outros
fatores, dos seguintes:
·
Do valor moral que o ofendido atribui ao ofensor.
A pessoa vai se sentir mais ofendida quando há uma quebra de confiança.
Quando você espera que uma pessoa aja de determinada maneira e ela age de outra
forma, contrária às suas expectativas.
·
Do assunto tratado na ofensa.
Se o ofensor tratou um assunto sensível para o interlocutor, abordando uma
questão mal resolvida, uma declaração pode ser entendida como uma ofensa. Se
você chama de louco uma pessoa qualquer, ela pode se sentir ofendida ou não.
Mas se é uma pessoa com histórico de internações em hospitais psiquiátricos, as
chances de isso ser entendido como uma ofensa pode ser maior. A sua declaração
pode ter reativado um mantido processo de estigmatização, que você desconhecia
completamente.
·
Da forma como o ato ou palavra foi feito ou
proferido.
De
forma geral, a maneira como uma declaração foi feita pode ser vista como
agravante ou atenuante. Entre os agravantes estão: o tom irônico, prepotente ou
de deboche; o não-reconhecimento posterior da falta. Entre os atenuantes estão:
a maneira acidental ou não-intencional como ocorreu o fato.
Se o outro está ofendido com o
que você disse, peça desculpas, mesmo que, naquele momento, você não tenha sido
capaz de reconhecer o erro. Pode ser que futuramente você o reconheça e aí pode
ser tarde demais. O Perdão é libertador. É melhor pecar pelo excesso que pela
falta. Mas e quando aquele erro implica em consequências futuras? E quando
reconhecer o erro implica em reconhecer uma dívida? Todo erro é uma dívida,
assim nos ensina a lei do Karma. A questão é se essa dívida deve ser paga
diretamente à pessoa ou grupo ofendido, ou se deve ser pago indiretamente, por
outros meios.
Voltemos à pergunta: devemos
pedir desculpas mesmo quando não reconhecemos o erro cometido?
Quando o pedido de desculpas não
implica em um reconhecimento de dívidas dispendiosas, quando o pedido de
desculpa possa gerar efeitos positivos para a sua relação do outro, sem
insuflar o seu ego, quando o pedido de desculpas implique em um mero
reconhecimento da possibilidade de ter ofendido alguém, mesmo que essa não
tenha sido a sua intenção, então ela pode ser um bom caminho. Trata-se, neste
caso, de reconhecer a possibilidade de haver cometido um erro na forma, mas não
no conteúdo do ato.
Por outro lado, se o pedido de
desculpas implica no reconhecimento de dívidas pessoais que você não está
disposto a pagar, se o pedido de desculpas implicar em ceder à chantagem do
outro ou possa insuflar o seu ego, então desculpar-se pode não ser o melhor
caminho.
Em síntese, pedir desculpas
implica em reconhecer, em alguma medida, a sua própria imperfeição. Pedir
desculpas é reconhecer, no outro, alguém que pode estar sinceramente ofendido
pelos seus atos e palavras, seja pelo seu conteúdo ou pela forma com que elas
se revestiram. É um ato de amor, capaz de romper laços cármicos muito antigos e
poderosos, que remontam a tempos imemoriais.
Devemos desculpar alguém que não pediu desculpas?
Trata-se de outra situação muito
complexa. Se ele não pediu desculpas a você, significa que ele não percorreu
inteiramente o caminho o perdão, que passa por pelo menos três fases:
reconhecer o próprio erro, perdoar-se a si mesmo, expor publicamente seu pedido
de desculpas. A primeira fase, de reconhecer o próprio erro, pode se dar de
diversas formas e gradações. Pode ser um reconhecimento substantivo de que sua
ação causou dano ao outro ou o reconhecimento hipotético de que sua ação pode
ter sido interpretada como uma ofensa, embora essa não tenha sido a intenção.
Em ambos os casos, pedir desculpas implica em reconhecer, de alguma maneira, as
suas imperfeições enquanto pessoa humana.
Se uma pessoa não pediu
desculpas, significa que ela não passou pela primeira fase, não passou a
segunda fase ou não chegou a terceira fase. Pode se que a pessoa reconheceu o
erro, mas não se perdoou. Como ela não foi capaz de se perdoar, talvez suponha
que as outras pessoas também não serão capazes. Se ela pula a segunda fase, o
pedido de desculpas pode significar um desequilíbrio na autoestima. Por que
pedir desculpas para alguém se você mesmo não se perdoa? Por que achar que o
outro seria capaz de fazer algo que você mesmo não é capaz, sobretudo
considerando que o ofendido foi o outro? Por que achar que o outro lhe perdoaria
por algo do que você mesmo não se perdoa? Seria uma incoerência.
O pensamento é recíproco: se
fosse o contrário, você perdoaria o outro? Se fosse você o ofendido, você o
perdoaria? Perdoar-se a si mesmo, implica, de alguma maneira, em fazer este exercício
de se colocar no lugar do outro, analisar a sua capacidade de perdoar o outro
e, assim, ser capaz de se auto-perdoar.
O fato de ter passado pela
primeira e pela segunda fase não significa, necessariamente, que ele chegará à
terceira. A retratação ou pedido de desculpas exige altas dosas de coragem
política. É necessário ter capacidade de expor, humildemente, seu erro, e
colocá-lo á apreciação do outro.
Dito isso, vamos ao mérito da
pergunta: devemos desculpar alguém que não pediu desculpas?
- Sim.
- Mas como, se o outro não pediu
desculpas?
Como dissemos anteriormente, o
pedido de desculpas é o coroamento final de um longo processo de debate
interno, no qual a pessoa se coloca frente a frente com seus próprios defeitos
e imperfeições. Vale lembrar que nem todas as pessoas estão condições de passar
por este longo processo, mantendo a sua dignidade e humildade, mantendo seu
equilíbrio emocional.
Se você está ofendido com uma
pessoa ou grupo, das duas uma: ou você se iludiu e depois se decepcionou com o
comportamento dela, ou você já esperava, ao menos em tese, que isso pudesse
acontecer. Se você já esperava que isso pudesse acontecer, então a ofensa em
nada lhe surpreende, sendo que você já devia estar previamente preparado para
enfrentar a ofensa e perdoá-la. Se você se iludiu e depois se decepcionou,
então compartilha a culpa com o seu ofensor: foi você quem criou expectativas
equivocadas sobre aquela pessoa.
O perdão não deve ser
condicionado ao pedido de desculpas do ofensor. Não há mérito nenhum em perdoar
aquele que já pagou a sua dívida.
Perdoar é ato pleno de amor e
desapego. Não há porque condicionar ao pedido de desculpas. Se você reconhece
que o outro te ofendeu, mostrando-se insensível aos danos que causaria a você,
então ele também pode ser incapaz de perceber o erro que cometeu.
A raiva só é ruim pra quem sente.
Da mesma maneira o rancor e mágoa. Analogamente, o principal beneficiário com o
perdão é a própria pessoa que perdoa. Condicionar o perdão ao pedido do ofensor
é confundir a própria essência do perdão. É achar que o maior beneficiário com
o perdão é o ofensor, quando, na verdade, é o ofendido. Ao perdoar, ele rompe o
círculo vicioso da violência e abre a possibilidade de o moinho da vida girar
em outro sentido. Perdoar é libertar-se de laços cármicos de ódio e rancor.
Vale dizer que, quando ofendemos
alguém, é a lei moral que são ofendidas. Quando fazemos algo que prejudica o
outro, é a nós mesmos que estamos prejudicando. Tudo que fazemos de mal ao
outro retorna para nós, por uma reação mecânica, automática, independente da
vontade do outro. Tudo que fazemos de bem ao outro retorna para nós, a partir
dos mesmos critérios. Leis morais são irrevogáveis.
“Que um dia possamos despertar
deste longo sono e perceber o quão infantil e primitiva é a nossa raiva, fúria,
ódio, mágoa, rancor, recalque e desejo de vingança. Neste dia, vamos nos
perdoar mutuamente, sorrir um para o outro, nos abraçar e trabalhar juntos.”