sexta-feira, 25 de abril de 2014

Pedir desculpas? Eu?

                Pedir desculpas pelas suas faltas pode ser muito mais difícil do que desculpar as faltas dos outros. Para desculpar o outro, é preciso reconhecer os erros dele. Mas para pedir desculpas, é preciso reconhecer os seus próprios erros e perdoar-se a si mesmo. Tarefa que pode ser penosa e difícil e que exige altas doses de amor e desapego.
Dalai Lama dizia: “É melhor encontrar um erro em si mesmo do que dezenas nos outros. Porque os seus você pode mudar.” Apesar disso, é mais difícil encontrar um erro em si mesmo, pois implica em reconhecer as suas próprias falhas, golpeando a espinha dorsal do egoísmo. Mais difícil ainda reconhecer os seus erros sem que isso afete a sua autoestima. Muitas vezes, a pessoa que reconhece o erro sente-se tão mal e fraca que não consegue se reeguer. Despojada da vaidade, acaba caindo nos descaminhos da baixo-estima. Desse modo, pedir desculpas é reconhecer-se corajoso o suficiente para enfrentar a apreciação pública de seus defeitos, sem que isso abale a sua autoestima e equilíbrio emocional.
                O pedido de desculpas é um ato público de reconhecimento de uma falta. Para se chegar a ele, no entanto, outras etapas precisam ter sido superadas: reconhecer intimamente o erro e perdoar-se por ele. Conforme o esquema abaixo:

Caminho do Perdão

                
Mas será que devemos pedir desculpas mesmo quando não reconhecemos o erro cometido? 

            Essa é uma questão complexa, que envolve muito meandros. Ao se deparar com uma pessoa que se ofendeu com um ato cometido por você, via de regra, é melhor se retratar.
Mas por que, se não fui eu quem errei?
Você pensa que não errou. “Você não é aquilo pensa que é. Você é aquilo que pensa.” Quando você faz ou diz algo, seus atos e palavras entram em contato com o campo mental de outra pessoa, fugindo ao seu controle. Você pode controlar aquilo que fala e diz, mas não pode controlar o modo como seu interlocutor receberá e tratará aquela informação. Suas palavras e atos, ao interagir com o outro, é interpretado a partir de um complexo conjunto de experiências e memórias do interlocutor. Palavras que parecem inocentes a você podem ter efeitos altamente destrutivos para a autoestima do interlocutor, podem fazê-lo lembrar de experiências negativas do passado, lembranças com as quais ele não sabe lidar muito bem. Por mais que suas intenções tenham sido boas ao proferir aquelas palavras, elas podem ser recebidas como uma grave ofensa, por incidir na sua identidade, sua cultura, seus valores morais, sua família, sua religião, sua organização política.
Quem melhor sabe sobre a gravidade de uma ofensa é aquele se sentiu ofendido. Se o autor soubesse que aquilo seria entendido como uma ofensa, provavelmente não o teria cometido. De modo geral, uma declaração é entendida como uma ofensa por ir contra os valores e ideias da pessoa ofendida. A gravidade de uma ofensa depende, dentre outros fatores, dos seguintes:
·         Do valor moral que o ofendido atribui ao ofensor.
A pessoa vai se sentir mais ofendida quando há uma quebra de confiança. Quando você espera que uma pessoa aja de determinada maneira e ela age de outra forma, contrária às suas expectativas.
·         Do assunto tratado na ofensa.
Se o ofensor tratou um assunto sensível para o interlocutor, abordando uma questão mal resolvida, uma declaração pode ser entendida como uma ofensa. Se você chama de louco uma pessoa qualquer, ela pode se sentir ofendida ou não. Mas se é uma pessoa com histórico de internações em hospitais psiquiátricos, as chances de isso ser entendido como uma ofensa pode ser maior. A sua declaração pode ter reativado um mantido processo de estigmatização, que você desconhecia completamente.
·         Da forma como o ato ou palavra foi feito ou proferido.
De forma geral, a maneira como uma declaração foi feita pode ser vista como agravante ou atenuante. Entre os agravantes estão: o tom irônico, prepotente ou de deboche; o não-reconhecimento posterior da falta. Entre os atenuantes estão: a maneira acidental ou não-intencional como ocorreu o fato.

Se o outro está ofendido com o que você disse, peça desculpas, mesmo que, naquele momento, você não tenha sido capaz de reconhecer o erro. Pode ser que futuramente você o reconheça e aí pode ser tarde demais. O Perdão é libertador. É melhor pecar pelo excesso que pela falta. Mas e quando aquele erro implica em consequências futuras? E quando reconhecer o erro implica em reconhecer uma dívida? Todo erro é uma dívida, assim nos ensina a lei do Karma. A questão é se essa dívida deve ser paga diretamente à pessoa ou grupo ofendido, ou se deve ser pago indiretamente, por outros meios.
Voltemos à pergunta: devemos pedir desculpas mesmo quando não reconhecemos o erro cometido?
Quando o pedido de desculpas não implica em um reconhecimento de dívidas dispendiosas, quando o pedido de desculpa possa gerar efeitos positivos para a sua relação do outro, sem insuflar o seu ego, quando o pedido de desculpas implique em um mero reconhecimento da possibilidade de ter ofendido alguém, mesmo que essa não tenha sido a sua intenção, então ela pode ser um bom caminho. Trata-se, neste caso, de reconhecer a possibilidade de haver cometido um erro na forma, mas não no conteúdo do ato.
Por outro lado, se o pedido de desculpas implica no reconhecimento de dívidas pessoais que você não está disposto a pagar, se o pedido de desculpas implicar em ceder à chantagem do outro ou possa insuflar o seu ego, então desculpar-se pode não ser o melhor caminho.
Em síntese, pedir desculpas implica em reconhecer, em alguma medida, a sua própria imperfeição. Pedir desculpas é reconhecer, no outro, alguém que pode estar sinceramente ofendido pelos seus atos e palavras, seja pelo seu conteúdo ou pela forma com que elas se revestiram. É um ato de amor, capaz de romper laços cármicos muito antigos e poderosos, que remontam a tempos imemoriais.

Devemos desculpar alguém que não pediu desculpas?

Trata-se de outra situação muito complexa. Se ele não pediu desculpas a você, significa que ele não percorreu inteiramente o caminho o perdão, que passa por pelo menos três fases: reconhecer o próprio erro, perdoar-se a si mesmo, expor publicamente seu pedido de desculpas. A primeira fase, de reconhecer o próprio erro, pode se dar de diversas formas e gradações. Pode ser um reconhecimento substantivo de que sua ação causou dano ao outro ou o reconhecimento hipotético de que sua ação pode ter sido interpretada como uma ofensa, embora essa não tenha sido a intenção. Em ambos os casos, pedir desculpas implica em reconhecer, de alguma maneira, as suas imperfeições enquanto pessoa humana.
Se uma pessoa não pediu desculpas, significa que ela não passou pela primeira fase, não passou a segunda fase ou não chegou a terceira fase. Pode se que a pessoa reconheceu o erro, mas não se perdoou. Como ela não foi capaz de se perdoar, talvez suponha que as outras pessoas também não serão capazes. Se ela pula a segunda fase, o pedido de desculpas pode significar um desequilíbrio na autoestima. Por que pedir desculpas para alguém se você mesmo não se perdoa? Por que achar que o outro seria capaz de fazer algo que você mesmo não é capaz, sobretudo considerando que o ofendido foi o outro? Por que achar que o outro lhe perdoaria por algo do que você mesmo não se perdoa? Seria uma incoerência.
O pensamento é recíproco: se fosse o contrário, você perdoaria o outro? Se fosse você o ofendido, você o perdoaria? Perdoar-se a si mesmo, implica, de alguma maneira, em fazer este exercício de se colocar no lugar do outro, analisar a sua capacidade de perdoar o outro e, assim, ser capaz de se auto-perdoar.
O fato de ter passado pela primeira e pela segunda fase não significa, necessariamente, que ele chegará à terceira. A retratação ou pedido de desculpas exige altas dosas de coragem política. É necessário ter capacidade de expor, humildemente, seu erro, e colocá-lo á apreciação do outro.
Dito isso, vamos ao mérito da pergunta: devemos desculpar alguém que não pediu desculpas?
- Sim.
- Mas como, se o outro não pediu desculpas?
Como dissemos anteriormente, o pedido de desculpas é o coroamento final de um longo processo de debate interno, no qual a pessoa se coloca frente a frente com seus próprios defeitos e imperfeições. Vale lembrar que nem todas as pessoas estão condições de passar por este longo processo, mantendo a sua dignidade e humildade, mantendo seu equilíbrio emocional.
Se você está ofendido com uma pessoa ou grupo, das duas uma: ou você se iludiu e depois se decepcionou com o comportamento dela, ou você já esperava, ao menos em tese, que isso pudesse acontecer. Se você já esperava que isso pudesse acontecer, então a ofensa em nada lhe surpreende, sendo que você já devia estar previamente preparado para enfrentar a ofensa e perdoá-la. Se você se iludiu e depois se decepcionou, então compartilha a culpa com o seu ofensor: foi você quem criou expectativas equivocadas sobre aquela pessoa.
O perdão não deve ser condicionado ao pedido de desculpas do ofensor. Não há mérito nenhum em perdoar aquele que já pagou a sua dívida.
Perdoar é ato pleno de amor e desapego. Não há porque condicionar ao pedido de desculpas. Se você reconhece que o outro te ofendeu, mostrando-se insensível aos danos que causaria a você, então ele também pode ser incapaz de perceber o erro que cometeu.
A raiva só é ruim pra quem sente. Da mesma maneira o rancor e mágoa. Analogamente, o principal beneficiário com o perdão é a própria pessoa que perdoa. Condicionar o perdão ao pedido do ofensor é confundir a própria essência do perdão. É achar que o maior beneficiário com o perdão é o ofensor, quando, na verdade, é o ofendido. Ao perdoar, ele rompe o círculo vicioso da violência e abre a possibilidade de o moinho da vida girar em outro sentido. Perdoar é libertar-se de laços cármicos de ódio e rancor.
Vale dizer que, quando ofendemos alguém, é a lei moral que são ofendidas. Quando fazemos algo que prejudica o outro, é a nós mesmos que estamos prejudicando. Tudo que fazemos de mal ao outro retorna para nós, por uma reação mecânica, automática, independente da vontade do outro. Tudo que fazemos de bem ao outro retorna para nós, a partir dos mesmos critérios. Leis morais são irrevogáveis.

“Que um dia possamos despertar deste longo sono e perceber o quão infantil e primitiva é a nossa raiva, fúria, ódio, mágoa, rancor, recalque e desejo de vingança. Neste dia, vamos nos perdoar mutuamente, sorrir um para o outro, nos abraçar e trabalhar juntos.”

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