Segue abaixo, texto sobre política cultural, escrito
como atividade de avaliação do 2ª módulo do Curso de Formação de Gestores
Culturais, que estou cursando.
Descreva, suscintamente,
o que você considera como sendo os dilemas das políticas culturais no Brasil
contemporâneo.
As políticas culturais brasileiras deparam-se diante
de alguns dilemas, correspondendo a clivagens que expressam tensões sociais .
Neste texto, abordaremos algumas delas: a tensão entre cultura como direito
social e cultura como um negócio privado; a tensão entre federalização e
municipalização e a tensão entre padronização dos serviços e respeito à
diversidade cultural.
O principal dilema das políticas culturais
brasileiras é como é por quem os serviços
culturais serão prestados. Na Constituição, reconhece-se que a cultura é
direito de todos, sendo que o Estado tem o dever de garantir o pleno acesso aos
bens e serviços culturais aos seus cidadãos. Apesar disso, a maior parte da
produção cultural fica a cargo de entidades privadas, cujo principal objetivo é
o lucro. Essa é uma lógica incompatível com a perspectiva da cultura como um
direito. Os altos preços dos serviços em algumas linguagens culturais, como
teatro e cinema, fazem com que ela seja um privilégio de poucos.
A distribuição dos recursos da área cultural ainda é
marcada por grandes distorções. Enquanto o Fundo Nacional de Cultura possui
aproximadamente 300 milhões de reais por ano, a política de isenção fiscal
recebe mais de 1,5 bilhão. Isso gera uma grande concentração dos recursos nos
produtores de São Paulo e Rio de Janeiro, onde estão instaladas as sedes das
grandes empresas. Com isso, os produtores culturais ficam a mercê dos
interesses das corporações, que, muitas vezes, só financiam as atividades que
possam gerar ganhos de publicidade e propaganda. Esta realidade poderá ser
alterada a partir da discussão e aprovação do projeto de lei do pró-cultura, em
tramitação no Congresso Nacional. Trata-se de um projeto que, se bem aplicado,
permitirá a redução destas distorções e disparidades.
Para reverter esse processo, é necessário que a
sociedade, por meio do Estado, conquiste o seu protagonismo na criação,
distribuição, fruição e acesso dos bens e serviços culturais. Enquanto, nas
áreas de saúde e educação, existe a noção de que o Estado deve fortalecer e
empoderar os hospitais e escolas públicas, no caso da cultura não existe esta
clareza. Teatros, museus e bibliotecas públicas são crescentemente sucateados,
enquanto as atividades artísticas são realizadas essencialmente por entidades
privadas. Existe a noção de que o professor deve ser um servidor público, mas
ao artista a única alternativa é submeter-se aos ditames e vicissitudes da
iniciativa privada, cabendo ao Estado somente incentivar os grupos privados. Há
poucas companhias públicas de música, no formato de orquestras sinfônicas, e as
que existem estão ainda muito ligados à influência da cultura erudita europeia
e desconectados da cultura popular.
Outro dilema corresponde à tensão entre
federalização e municipalização, ou seja, não há uma definição de quais
serviços culturais devem ser prestados por União, estados municípios ou
Distrito Federal. Atualmente, eles atuam concorrentemente em todas as áreas,
gerando sobreposições e falta de eficiência na condução da política. Espera-se
que, com a implementação da Comissão Intergestores Tripartite do Sistema
Nacional de Cultura, esta questão possa ser melhor equacionada, definindo as
atribuições de cada nível da federação na condução da política cultural, com
destaque para os municípios, que estão mais próximo do cidadão.
Em terceiro lugar, destaca-se o dilema da
padronização dos serviços e procedimentos versus a diversidade e dinamismo do
setor cultural. No Programa Cultura Viva, muitos grupos tiveram dificuldade em
cumprir os requisitos e padrões de prestação de contas. No Sistema Nacional de
Cultura, é disseminada uma estrutura padronizada de gestão, composta por
conselho, plano, fundo, órgão gestor e conferência de cultura. Ao mesmo tempo,
a imposição destas regras rígidas pode dificultar a sua adaptação à realidade
de municípios pequenos. A criação de padrões é, em si mesmo, um movimento
cultural que pode causar perdas de diversidade em algumas situações. Equilibrar
padronização e flexibilidade é outro desafio para a política cultural
brasileira, sobretudo se considerarmos as dimensões continentais do Brasil.
Desse modo, as políticas culturais brasileiras
enfrentam dilemas muito importantes, que só podem ser equacionados a partir de
um amplo e respeitoso debate com todos os atores envolvidos. Ao mesmo tempo,
constata-se que alguns nós só podem ser desatados se houver o enfrentamento
direto com grupos e interesses muito poderosos, de entidades privadas que se
favorecem do financiamento público. A cultura precisa ser compreendida como
prioridade na agenda de políticas públicas. O fortalecimento das políticas
culturais só podem ser obtido com mais investimentos e equipamentos e com a
valorização dos servidores públicos da área cultural.
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