segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Presidenta pode?


Reflexões sobre variações da língua e seu caráter político

Em todo conceito existe uma prisão e, ao mesmo tempo, as chaves para a libertação. Por meio das palavras, criamos as barreiras que nós mesmos buscamos ultrapassar. Aprendemos a viver rodeado de palavras, conceitos, definições. Muitas vezes, acreditamos tanto nas definições por nós mesmos criadas que pensamos se tratar de conceitos universais, acima do bem e do mal, perenes, estanques. Os conceitos são fluidos, dinâmicos, como a própria linguagem. A gramática normativa procura colocar limites, impor distinções entre aqueles que conhecem a norma e aqueles que a ignoram, entre aqueles que usam a linguagem como símbolo de status e aqueles que a usa somente como meio de comunicação.

                Nasci e cresci sendo ensinado que havia um jeito certo de falar, um jeito certo de escrever. Mas, durante muito tempo, não fui alertado de que esses tais jeitos certos eram tão castradores, elitistas, podadores da criatividade e do dinamismo da linguagem. Não sabia que esses tais jeitos certos eram opressores e carregados de preconceitos. Tornei-me um chato. Corrigia intempestivamente as pessoas do meu círculo social por falarem da forma supostamente “errada”. Mal sabia eu que, na verdade, não se tratava de falar errado, mas de falar diferente daquilo que os meus professores de português ensinaram, que falar errado, na verdade, tratava-se de falar de maneira mais simples, espontânea, sincera, viva.

                Uma das expressões que sempre corrigia as pessoas, inclusive minha mãe era por usar: “Para mim fazer isso...” NÃO, dizia, é “para eu fazer isso”. Tá, então faça você mesmo. “para mim, é para mim até o fim.” E acabou.

Na verdade, existe uma grande variação na palavras, tanto na forma, quanto no conteúdo e no significado. A forma de se falar e escrever muda constante e intensamente, por mais fortes que sejam as instituições guardiãs do marasmo e da petrificação da língua. Petrificação da língua? Sim, existem pessoas que trabalham, voluntária ou involuntariamente para petrificar a língua, mantê-la padronizada, estanque, dura. Mas não conseguem. E a língua não cessa de se transformar. “Água mole em língua dura, tanto bate até que fura”.  


                Um furo marcante na língua portuguesa tem sido protagonizado pela própria presidenta. Ultimamente, muitos lingüistas tem entrado na polêmica sobre o gênero dos substantivos, isso pelo fato de a atual chefe de governo do Brasil ter expressado o desejo de ser chamada de “presidenta”, ao invés de presidente. Os guardiões da gramática normativa e do marasmo lingüístico se alvoroçaram, chegaram a beira de chamar Dilma de analfabeta, de assassina do português. O principal argumento é o de que, de acordo com a gramática normativa, presidente é uma palavra que não possui variante de gênero, bem como servente, dirigente, etc... Ora, se não possui, basta criar. E foi isso que se fez. Recentemente, Juliana Selbach, eleita como presidenta do PSOL-DF decidiu também usar a nova variante de gênero. Mas ela não é somente uma presidenta, mas também uma militanta, estudanta, eleganta, inteligenta, surpreendenta! Dói os ouvidos, dizem alguns. Pois se acostumem, é o som da besta-fera portuguesa libertando-se dos seus grilhões!

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