Reflexões sobre variações da língua e seu caráter político
Em todo conceito existe uma prisão
e, ao mesmo tempo, as chaves para a libertação. Por meio das palavras, criamos
as barreiras que nós mesmos buscamos ultrapassar. Aprendemos a viver rodeado de
palavras, conceitos, definições. Muitas vezes, acreditamos tanto nas definições
por nós mesmos criadas que pensamos se tratar de conceitos universais, acima do
bem e do mal, perenes, estanques. Os conceitos são fluidos, dinâmicos, como a
própria linguagem. A gramática normativa procura colocar limites, impor distinções
entre aqueles que conhecem a norma e aqueles que a ignoram, entre aqueles que
usam a linguagem como símbolo de status e aqueles que a usa somente como meio
de comunicação.
Nasci e
cresci sendo ensinado que havia um jeito certo de falar, um jeito certo de
escrever. Mas, durante muito tempo, não fui alertado de que esses tais jeitos
certos eram tão castradores, elitistas, podadores da criatividade e do
dinamismo da linguagem. Não sabia que esses tais jeitos certos eram opressores
e carregados de preconceitos. Tornei-me um chato. Corrigia intempestivamente as
pessoas do meu círculo social por falarem da forma supostamente “errada”. Mal
sabia eu que, na verdade, não se tratava de falar errado, mas de falar
diferente daquilo que os meus professores de português ensinaram, que falar
errado, na verdade, tratava-se de falar de maneira mais simples, espontânea,
sincera, viva.
Uma das
expressões que sempre corrigia as pessoas, inclusive minha mãe era por usar: “Para
mim fazer isso...” NÃO, dizia, é “para eu fazer isso”. Tá, então faça você
mesmo. “para mim, é para mim até o fim.” E acabou.
Na verdade, existe uma grande variação
na palavras, tanto na forma, quanto no conteúdo e no significado. A forma de se
falar e escrever muda constante e intensamente, por mais fortes que sejam as instituições
guardiãs do marasmo e da petrificação da língua. Petrificação da língua? Sim,
existem pessoas que trabalham, voluntária ou involuntariamente para petrificar
a língua, mantê-la padronizada, estanque, dura. Mas não conseguem. E a língua
não cessa de se transformar. “Água mole em língua dura, tanto bate até que fura”.
Um furo
marcante na língua portuguesa tem sido protagonizado pela própria presidenta. Ultimamente,
muitos lingüistas tem entrado na polêmica sobre o gênero dos substantivos, isso
pelo fato de a atual chefe de governo do Brasil ter expressado o desejo de ser
chamada de “presidenta”, ao invés de presidente. Os guardiões da gramática
normativa e do marasmo lingüístico se alvoroçaram, chegaram a beira de chamar
Dilma de analfabeta, de assassina do português. O principal argumento é o de
que, de acordo com a gramática normativa, presidente é uma palavra que não
possui variante de gênero, bem como servente, dirigente, etc... Ora, se não
possui, basta criar. E foi isso que se fez. Recentemente, Juliana Selbach, eleita
como presidenta do PSOL-DF decidiu também usar a nova variante de gênero. Mas
ela não é somente uma presidenta, mas também uma militanta, estudanta,
eleganta, inteligenta, surpreendenta! Dói os ouvidos, dizem alguns. Pois se
acostumem, é o som da besta-fera portuguesa libertando-se dos seus grilhões!
de fato a língua fazemos nós!
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