segunda-feira, 21 de março de 2016

De junho de 2013 a março de 2016: o povo nas ruas por mais direitos

         Os protestos do dia 13 de março (domingo) mostraram a indignação do povo diante da corrupção e da crise econômica. Embora a maior parte das lideranças do movimento sejam conservadores, as vaias a Aécio Neves e Geraldo Alckimin, na Avenida Paulista, mostraram que a velha direita e os partidos tradicionais estão com dificuldades para se firmarem enquanto alternativa ao PT. O que aconteceu entre junho de 2013 e março de 2016?



         Os protestos de junho de 2013 tiveram um caráter anti-sistema. A indignação com os aumentos das passagens de transporte público, aliados aos gastos exagerados com as obras da Copa e a corrupção, fizeram com que milhões saíssem às ruas para protestar. As manifestações foram inicialmente convocadas pelo Movimento Passe Livre (MPL), que defende o transporte público enquanto direito de todos. Contudo, os protestos extrapolaram em muito o MPL, agregando porções da classe média, movimento estudantil, etc. As pautas se tornaram difusas. Reivindicava-se tudo e nada ao mesmo tempo. O movimento ficou sem foco. A reivindicação imediata foi alcançada: após semanas de manifestações, os aumentos das passagens de ônibus foram suspensas na maioria das cidades. Alkimin e Fernando Haddad, governador e prefeito de São Paulo, por exemplo, tiveram de torcer o nariz e cancelar o aumento do transporte público, ao menos naquele momento.
         A partir dessa primeira onda de protestos, o movimento de dispersou e se dividiu. Parte da ala anarquista passou a conformar os Black Blocks, que incluíam a ação direta como uma de suas táticas. Buscava-se combater diretamente alguns dos símbolos do capitalismo e do domínio estatal. Em alguns atos, houve depredação do patrimônio de empresas e órgãos públicos. O movimento foi duramente reprimido pela polícia militar, houve um forte movimento de criminalização por parte dos governos, que culminou, recentemente, na aprovação da famigerada Lei Anti-Terrorismo. Em um episódio emblemático, em um protesto no Rio de Janeiro, no dia 06 de fevereiro de 2014, o lançamento de um rojão causou a morte acidental de um cinegrafista da TV Band, Santiago Andrade. Era o que a mídia burguesa precisava para reforçar a campanha difamatória contra os Black Blocks. Além disso, a Rede Globo tentou convencer a população de que havia um vínculo entre os Black Blocks e o deputado estadual Marcelo Freixo, do PSOL, uma das maiores lideranças da esquerda brasileira. Sob o calor das emoções, dois ativistas foram acusados de homicídio triplamente qualificado: Fabio Raposo Barbosa e Caio Silva Souza. Eles ficaram encarcerados durante mais de um ano, até que a 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade, desclassificou a denúncia contra os manifestantes e determinou sua soltura imediata.
A campanha difamatória obrigou o PSOL a responder, esclarecendo não haver vínculo entre o partido e os Black Blocks. PSTU e PCB também buscaram se diferenciar do grupo anarquista. Com isso, a mídia burguesa apostou, mais uma vez, na divisão do movimento anti-capitalista: socialistas de um lado e anarquistas de outro. O movimento socialista também já estava dividido conforme a tradição: reformistas e revolucionários. Boa parcela dos reformistas continuou apoiando o governo Dilma, contra o avanço da direita, enquanto os revolucionários buscaram se diferenciar do PT e de sua estratégia de conciliação de classe.
         A direita também tentou se organizar e se fortalecer no movimento de massas a partir de junho de 2013. Baseado nas ideias de combate a corrupção e rechaço aos programas de transferência de renda do governo, como o Bolsa Família, alguns grupos se formaram, como o “Vem pra rua” e Movimento Brasil Livre (MBL) e “Revoltados online”. Alas mais a direita chegam a pedir intervenção militar.
         Diferentemente dos Black Blocks, os grupos de direita adotaram a via pacífica nas manifestações. Isso parece ter sido decisivo para a massificação dos protestos por ela convocados, aliado ao apoio da mídia burguesa. Após os protestos de junho de 2013, a presidenta Dilma, em pronunciamento oficial, disse que somente manifestações “pacíficas e ordeiras” seriam admitidas. Ironicamente, é exatamente esse tipo de manifestação pacifista que agora afunila o seu foco e se volta contra o seu governo.
         Historicamente, as pautas negativas possuem muito mais probabilidade de se concretizarem que as pautas positivas. Participei dos protestos do “Fora Thimoty” e “Fora Arruda” em Brasília, nos anos de 2008 a 2010, e pude perceber essa tendência. As pessoas tem maior propensão a se mobilizarem contra algo do que a favor de algo. É mais fácil entrar em consenso de que o sistema político atual está falido do que chegar a um acordo sobre qual sistema defendemos para substitui-lo. Isso talvez tenha relação com o estágio de desenvolvimento espiritual em que se encontra o globo terrestre. Contudo, pode ser irresponsável protestar contra algo ou alguém sem propor algo ou alguém melhor no lugar.
         Nesse interim, duas figuras do Poder Judiciário apareceram, ao longo do processo de combate à corrupção, enquanto Salvadores da Pátria. Primeiramente Joaquim Barbosa, que protagonizou o julgamento do Mensalão, no STF, e mais recentemente o juiz federal Sérgio Moro, responsável pelo julgamento dos processos relativos à Operação Lava Jato na primeira instância. As instâncias de fiscalização, investigação, controle e julgamento passaram a ter preponderância na vida nacional, protagonizando os principais noticiários com operações espetaculosas de busca e apreensão, prisões preventivas e delações premiadas de políticos e empresários, grampos telefônicos e vazamento de informações sigilosas. Um prato cheio para a mídia sensacionalista. Na esteira da insatisfação popular com a crise econômica e a corrupção, a Polícia Federal, Ministério Público e Magistratura ganharam preponderância e se sobrepuseram ao Executivo e até mesmo ao Legislativo.
         No dia 16 de março, no entanto, Sérgio Moro cruzou, efetivamente, o limite que separa o Estado de Direito do Estado de Exceção. Ao determinar o vazamento de conversas telefônicas da presidenta e do ex-presidente  Lula, o juiz de primeira instância ultrapassou todos os limites, atuando como um xerife a serviço da oposição de direita, que possui as melhores condições de capitalizar o desgaste do governo Dilma. Após a nomeação de Lula para ocupar a Chefia da Casa Civil, Moro decidiu se vingar e divulgar ilegalmente as escutas telefônicas. O direito à privacidade e presunção de inocência foram escandalosamente violados.
         Com isso, o cenário político está em aberto. Se a presidente Dilma não conseguir se manter no governo, algumas possiblidades estão colocadas: a renúncia ou o impeachment, com ascensão de Michel Temer ao poder; cassação da chapa Dilma & Temer pelo TSE, que geraria eleições antecipadas; ou golpe militar, que seria um retrocesso sem precedentes para a democracia e as liberdades civil.
         A conjuntura pede a unificação da esquerda brasileira sob novas bases, com ética e confiança mútua. Isso inclui um diálogo maior entre os partidos de esquerda, com independência de classe, e também com o movimento anarquista e outros movimentos sociais, buscando-se formar uma frente comum de luta capaz impulsionar a nossa pauta de reivindicações, que inclui: reforma política, reforma agrária, reforma urbana, reforma tributária, auditoria de das dívidas públicas, demarcação de reservas indígenas, reestatização de empresas, apoio ao cooperativismo popular, políticas culturais contra-hegemônicas, defesa dos direitos humanos, respeito às diversidades sexuais, raciais, entre outros.

Referências:

2 comentários:

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  2. Não acho que a vaia que Alckim e Serra receberam seja razão suficiente para afirmar que a direita está com dificuldades de colocar enquanto alternativa, pois o que vejo é justamente o contrário, esses grupos políticos tirando proveito de toda essa situação já pensando inclusive nas próximas eleições com o desgaste político do PT.
    Quanto a ação do juiz Moro de grampear, este é o mesmo tipo de debate que temos no jornalismo. Se for mesmo para “pegar” um delito até que ponto as escutas são ilegais? Se por um lado existe o direito à privacidade, do outro existe o interesse público, mas caso as escutas sejam mesmo um mecanismo aceitável você então comete um crime para denunciar outro crime?
    Por fim, esse debate da união da esquerda e de colocarmos as pautas fundamentais da classe trabalhadora como reforma agrária, reforma política, auditoria da dívida e bla bla bla é antiga e nunca acontece. Talvez a alternativa também seja apostarmos em outras vias.

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